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Diego Viana é jornalista e economista. Está há um ano na Paris de carne dura e sangue quente, estudando a filosofia e a vida do Velho Continente. No mundo inverso da internet sem pátria, é Osrevni, e publica dois blogues: Para ler sem olhar e Cálculo renal.
Desdizeres de quem escreve
As nossas opiniões e fantasias não são maiores que o correr dos dias
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Entre o livro-objeto e o livro-experiência
Ainda hoje, apesar de todas as transformações vividas pela sociedade nas últimas décadas, leitores adultos ainda torcem o nariz para livros que fogem ao estereótipo de simplicidade e didatismo comumente associado ao “livro para crianças”
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A ternura masculina sem pudores
José Luis Sampedro não nos permite tirar a dignidade de seu protagonista: não há como sentir pena dele
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O pavimento beijado
A pobre senhora inspirou profundamente, inclinou-se para um lado e se pôs a tatear a superfície encardida da calçada
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A pobre senhora inspirou profundamente, inclinou-se para um lado e se pôs a tatear a superfície encardida da calçada
Ao reencontrar as fisionomias, sou tomado pelo alívio. Estão todos ali, onde deveriam estar, indiferentes, na plataforma do metrô. Vejo-as congeladas, num estranho estado de suspensão, enquanto esperam o trem para subir
Os objetos da física, os monumentos do quotidiano, os sabores, cores e temperaturas são aquilo que deles sentimos e vemos, imagens de um qualquer coisa bruto que está lá fora e que só aceitamos como mais real do que os sonhos porque temos a consciência e a convicção de estarmos despertos
A mim, ninguém oferecia um gole, ao velho que já passou do tempo. Mas eu não sentia. Minha boca, enrijecida, já se acostumara à posição de paralisia, lábios e gengivas endurecidas sem ambição alguma de falar
O fútil, porque está tão aquém de nossa melhor dedicação, deixa entrever a existência de algo que é seu oposto absoluto
Não tente viver como um francês em Paris em agosto. Já ao longo do ano essa é uma idéia de turista com complexo de superioridade; no verão, simplesmente não é possível
Pela terceira vez, teria de construir uma existência nova a partir de uma que já era inteira. Não que rejeitasse o desígnio. A esse ponto, já fervilhava o desejo de demolir noção atrás de noção, invadir uma a uma as camadas da outra vida, superar as definições reduzidas em nome da interminável descoberta
Como praticamente tudo neste início de século, o nacionalismo sobrevive transferido para a esfera das relações pessoais. Os dialetos, a música, o futebol, os ídolos, a cozinha, as paisagens
Somos criados para aplaudir a mais dramática das desgraças; estamos acostumados a rir do sofrimento e derreter de comiseração pelas misérias. Mas a reação que temos diante de uma alegria pacata, digamos, de atirar pedrinhas no lago, é bem diferente. Bocejamos, viramos a página, mudamos de canal. A bonomia é coisa muito fastidiosa, sobretudo a dos outros
Cheguei a fantasiar que o catalisador de toda a história desapareceria de repente ou revelaria ser um demônio, um duende, qualquer ser sobrenatural. Mas qual, o velho continuou encalacrado, olhos nos joelhos, como se nada se passasse à sua volta
Para boa parte dos seguidores de Pitágoras, o divino Um era a manifestação inteligível do universo, o Dois colocava diante do homem a presença dos opostos, o Três escancarava os portais do múltiplo
De manhã, domingo, o tapete cristalino sobre o chão denuncia a madrugada em que a rua, tão desimportante, pertenceu a pessoas que costumam só ter com ela uma relação de passagem ou compromisso. O bar, portas fechadas, recobriu-se de seu aspecto simplório, por trás da bandeira puída
Enquanto espia o chuvisco sobre a folhagem da rua, não percebe como a memória apagou os sofrimentos e fechou as feridas. Restam só as imagens de terras exóticas que o fascinaram, lugares não raro ausentes dos mapas
Está claro, mas não nítido, por que o desgraçado é assim tão familiar. As paralelas que deveriam se encontrar no infinito podem sofrer desvios. Podem chocar-se ainda no tempo. Eventualmente, acontece
Em Paris, a beleza brota como uma resposta à opressão do inverno, uma vitória daqueles que sobreviveram, uma ressurreição mitológica revivida a cada ano. A mística em torno do equinócio é profunda, ancestral, dionisíaca. O movimento é patente
De súbito, faltou fôlego. Cessou a confusão do batismo cego. Poderia decidir-se por qualquer daqueles nomes, ou qualquer outro; subsistiria o mais terrível dos atributos, sempre. O que trazia nas mãos, nelas teria de seguir.
Se os antigos, em pastorais de telas e sinfonias, exultavam de retratar o alívio explosivo das cores a brotar, os modernos têm a ousadia insolente de desmerecer as rosas, reduzidas a atavio.
Percebo que não conheço São Paulo. Acredito que ninguém conheça. Pois a cidade não se deixa conhecer. Como se precisasse esconder o rosto, ela abafa a própria voz natural, uma vibração produzida a cada instante pelo flutuar de seus habitantes.
Que a terra na França exale um perfume rústico e irresistível quando chove sobre ela, admito com prazer. Mas empenho minha palavra como não é igual ao que inspirei nesta manhã em Guarulhos e experimentei tantas vezes, em inúmeros recantos do país.
Imagine, quanta identificação, quanta empatia, quando o povo soubesse que o presidente é tão normal, "como todo mundo", que foi até traído pela mulher! Mas, estranhamente, houve pouco mais do que alguns comentários chistosos, nos botecos e nos cartuns, sobre o "reizinho corno". E o assunto morreu.
São os orientais, hoje, que não respeitam nada do que já há; pensam no que ainda haverá, e interpretam o presente como mera matéria-prima, tão bruta e maleável como a areia da praia.
Nem o mais aloprado dos econometristas haverá de encontrar traços de eficiência no ato de mandar cento e sessenta policiais (escrevo por extenso para aumentar o impacto) para combater uma pequena, digo mais, minúscula greve de estudantes.
"O corpo de um matemático de renome, professor de cursos disputados, pesquisador das equações mais abstrusas, foi encontrado sentado em seu gabinete, a cabeça sobre uma pilha de papéis, os olhos arregalados, fixos, a boca escancarada, os dedos ainda apertando a caneta"
Ainda temos pela frente o Natal, o Ano-bom, o Carnaval; mas meu sonho é com o mês de abril, das cerejeiras em flor, das tulipas maiores do que meu punho, da reabertura dos jardins, que acolherão os piqueniques e os violões.
Estrangeiro em tudo e todos. O autor incursiona pelo encanto sombrio da Cidade Luz, onde seus sentimentos mesclam-se de forma sinestésica e paradoxal entre o medo e o fascínio diante da outra face de Paris