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julho 2006



EDITORIAL

Sem guerra?

O confronto entre Estados Unidos e Irã, relativo ao enriquecimento de urânio, viveu em junho uma reviravolta positiva. É possível, agora, esperar uma saída sem conflito. Por que a Casa Branca recuou?


Ignacio Ramonet

Uma reviravolta. A nova atitude dos Estados Unidos a respeito do Irã, no contencioso nuclear, é uma espetacular reviravolta. É preciso lembrar que, há apenas dois meses, altas autoridades norte-americanas encaravam ainda, como uma “opção possível” [1], o lançamento de ataques preventivos para compelir Teerã – “um dos motores do terrorismo mundial”, segundo Donald Rumsfeld, secretário da Defesa – a abandonar seu programa nuclear. Estes ataques supunham o uso de bombas antibunker com ogiva atômica, as B61-11, e ameaçavam em particular o complexo de Natanz, situado a 250 km de Teerã, onde se encontra uma usina de enriquecimento de urânio. Segundo uma alta autoridade do Pentágono, a Casa Branca avaliava que “a única maneira de solucionar o problema consiste em mudar a estrutura do poder iraniano. E isto significa guerra [2]”.

Assim estávamos quando, repentinamente, as coisas mudaram de forma radical. Reunidos em Viena, no dia 1º de junho, os ministros de Relações Exteriores dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (Estados Unidos, China, França, Reino Unido e Rússia) e da Alemanha elaboraram um documento formulando, desta vez num tom conciliador e desprovido de ameaças, proposições novas para acabar com o contencioso. Propostas que Javier Solana, comissário da União Européia para a política exterior, levou no dia 6 de junho, em Teerã, a Ali Larijani, secretário do Conselho Supremo de Segurança Nacional e principal negociador iraniano nesta questão.

Ainda que o conteúdo do documento não tenha sido tornado público, sabe-se que nele os Seis reconhecem o direito do Irã, signatário do Tratado de Não-proliferação Nuclear (TNP), de ter acesso à energia nuclear civil. Além disso, comprometem-se a ajudar o país a adquirir reatores movidos a água leve. Eles propõem ainda o fim do embargo econômico, o fornecimento de peças avulsas das quais a aviação civil iraniana tem necessidade e prometem apoiar a candidatura do país junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) à qual Washington já opôs seu veto por 18 vezes...

A verdadeira concessão está em outra parte: o governo norte-americano, que até agora se recusava a isso, aceita sentar-se à mesa de negociações, ao lado das cinco grandes potências, para discutir diretamente com os iranianos. Condição única: a suspensão do programa de enriquecimento de urânio.

Teerã parece igualmente confiar no abrandamento e optou por um tempo de reflexão, antes de responder. Os primeiros sinais são encorajadores. Ali Larijani admitiu que “há passos positivos nestas proposições”. E o ministro iraniano das Relações Exteriores, Manucher Mottari, ao reconhecer que seu país deve se esforçar para dissipar as inquietudes internacionais, declarou-se igualmente otimista: “É um passo adiante. No ano passado, os europeus nos haviam dito: ‘aqui está nosso plano, é pegar ou largar’. Agora eles nos dizem: ‘aqui está uma proposta, podemos discuti-la, estudá-la e negociá-la por canais diplomáticos’. É positivo. Eles admitem que é negociável, uma vez que nós a tenhamos estudado (...) Os Estados Unidos aceitaram participar da negociação e nós recebemos esta decisão com prazer [3]”.

As razões da reviravolta

Como explicar a reviravolta norte-americana? Há, em primeiro lugar, o direito indiscutível do Irã (potência regional de 76 milhões de habitantes e grande fornecedor de hidrocarbonetos, que não ignora que o decréscimo da produção de petróleo é inevitável) de se preocupar com seu futuro energético. E de apostar em tecnologias nucleares civis. Apesar das mais de 2 mil inspeções desde 2003, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) jamais conseguiu fornecer a menor prova de que a república islâmica tivesse um programa nuclear militar, o único proibido pela TNP.

A Rússia e a China reconhecem que os iranianos devem fazer um esforço para criar um clima de confiança, mas defendem o direito de Teerã de dispor da energia nuclear civil. Estes dois Estados se opuseram a qualquer sanção contra o Irã sempre que esta questão foi discutida na ONU. Eles acabam de reiterar sua solidariedade durante a cúpula da Organização de Cooperação de Shangai (OCS), que aconteceu nesta cidade chinesa no meio de junho. Pesaram também, sem dúvida, outras considerações. Por exemplo, o fracasso da ocupação do Iraque, onde os xiitas pró-Irã são, paradoxalmente, os melhores aliados de Washington; a ameaça iraniana de minar, em caso de ataque, o estreito de Ormuz, por onde transita 20% da produção mundial de petróleo bruto; a intenção do Irã de exigir o pagamento das exportações de petróleo e gás em moeda européia, depois de já ter convertido em euros a maior parte das reservas de divisas. Teerã não ignora que, neste momento, o dólar é o calcanhar de Aquiles dos Estados Unidos...

Seja como for, antes da Cúpula do G8 em São Petersburgo, de 15 a 17 de julho, as duas partes têm interesse em buscar um acordo.

Tradução: Fábio de Castro castro@reportersocial.com.br

[1] The Washington Post, 9/4/2006.

[2] Seymour M. Hersh, “The Iran Plans”, The New Yorker, 17/4/2006.( “This White House believes that the only way to solve the problem is to change the power structure in Iran, and that means war.”)

[3] El Pais, Madrid, 15/6/2006.