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janeiro 2009



LITERATURA

A arte de usar o tempo e o espaço a favor da boa literatura

Ao notar o vazio editorial e a tendência de crescimento da literatura fantástica, Fábio Fernandes e Jacques Barcia idealizaram a revista “Terra Incognita”


Fernando S. Trevisan

A literatura categorizada como “de gênero” no Brasil cresce, atualmente, em ritmo que causa euforia – nos que vêem consistência e desdobramentos – e desconfiança, naqueles que gostam de dizer “isso já aconteceu antes e não deu em nada”.

Aos pessimistas, cabe indicar que existem dois diferenciais importantes entre este e os booms anteriores. O primeiro é a existência da internet como plataforma de divulgação e aproximação entre leitores, escritores e editores. O segundo – e talvez mais importante – é que o público consumidor atual sempre esteve cercado de referências aos gêneros fantásticos – seja nos filmes, seriados de TV, quadrinhos ou RPGs. Ao contrário da geração que nasceu antes de 1975, que precisava buscar, esta nova geração teve as referências inculcadas, especialmente pela TV.

Não é meu objetivo debater se essas pessoas que cresceram vendo ficção científica na TV realmente procuram consumir algo além das trilogias cinematográficas. Esse debate é antigo entre os estudiosos e fãs do gênero e sempre foi realizado sem dados que realmente o alimentem. O que existe é cada vez mais gente procurando por informações, livros, revistas, etc. – uma busca que pode ser objetivamente verificada nas diversas comunidades on-line.

O nicho da ficção científica

Faltava, tanto para essas pessoas novas como para os fãs antigos, a oportunidade de consumir material novo e ousado, seja na forma ou nos temas. Temos aí, portanto, o vazio editorial e o momento correto para a louvável criação da revista Terra Incognita.

Desde a diagramação, acabamento e planejamento gráfico, até a seleção de material, é perceptível a ousadia nas intenções dos editores de Terra Incognita. Óbvio que ousadia não é necessariamente sintoma de qualidade, mas para felicidade de quem gosta de boa literatura, este é o caso aqui.

A linha editorial é publicar primariamente uma seleção de autores nacionais: gente de talento reconhecido, como Carlos Orsi, Octavio Aragão e Guilherme Kujawski; autores novos que vêm obtendo reconhecimento com seus livros recém-publicados, como Tibor Moricz e Ivan Hegenberg; e novatos que ainda não estrearam com livros próprios, como Ludimila Hashimoto, Rafael Monteiro, Ana Cristina Rodrigues e Lúcio Manfredi.

Para adicionar a estes autores, a revista traz em todas as edições uma entrevista e um conto de algum autor estrangeiro. Na estréia, Ekaterina Sedia – russa; seguida por Charles Stross – britânico; e Jeffrey Thomas e Bruce Sterling – ambos norte-americanos.

A qualidade gráfica; a mistura de textos inéditos de estrangeiros importantes no cenário atual com autores nacionais, tanto publicados quanto novatos; os artigos e resenhas que eventualmente aparecem: tudo isso faz deTerra Incognita uma publicação única no cenário de literatura de gênero.

Essa posição é ainda mais destacada se levarmos em conta que os livros publicados atualmente – como Tempo fechado, de Bruce Sterling, pela Devir, ou Nevasca, de Neal Stephenson, pela Aleph – representam o que de melhor existia no gênero há quase vinte anos (1994 e 1992, respectivamente).

Por fim, ao mesmo tempo em que se define e busca o nicho da ficção científica, a revista traz literatura de qualidade para qualquer pessoa e é publicada online, gratuitamente, de uma forma que pode ser impressa – dois fatores que fazem com que o público potencial da revista cresça exponencialmente.

Terra Incógnita aceita textos de autores nacionais (obviamente, serão avaliados pelos editores) e, como deve ter ficado claro acima, recomendo veementemente, tanto aos fãs de ficção científica como àqueles que ainda acham que o gênero se resume aos clichês e estereótipos tão divulgados – vocês vão se surpreender.