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abril 2003



IMPRENSA

O Le Monde e o Diplo

Em meio à tempestade provocada pelo livro sobre o ’Le Monde’, ganha relevância o processo pelo qual a redação do Monde diplomatique conquistou sua independência editorial e administrativa em relação a esse grupo editorial


Ignacio Ramonet

A polêmica desencadeada pelo livro de Pierre Péan e Philippe Cohen fez com que alguns de nossos leitores nos pedissem uma explicação sobre os vínculos existentes entre o Monde diplomatique e o Monde diário e sua direção.

Foi a mesma pessoa, Hubert Beuve-Méry, que fundou ambos os jornais. No início, em 1954, nosso jornal mensal era dirigido exclusivamente ao universo das embaixadas. Dirigido por François Honti, era basicamente redigido por jornalistas da editoria internacional do Monde, jornal do qual compartilhava a linha editorial.

Foi em 1973, com a nomeação de Claude Julien, que as coisas começaram a mudar. Procurando colaboradores que não faziam parte do corpo de redação do jornal diário, ele instaurou uma linha editorial distinta da do Monde. E a circulação aumentou.

Relações tensas

Foi a mesma pessoa, Hubert Beuve-Méry, que fundou ambos os jornais. No início, em 1954, nosso jornal mensal era dirigido exclusivamente ao universo das embaixadas

No entanto, o jornal mensal continuava sob controle do Monde, do qual constituía apenas mais um serviço. O responsável pela edição tinha o título de “redator-chefe”, mas o diretor oficial era o diretor do jornal diário... Os jornalistas do Diplo – que, na época, eram dois – eram membros da Sociedade de Redatores do Monde.

Esta sociedade chegou a eleger, em 1980, um jornalista do Monde diplomatique, Claude Julien, para suceder a Jacques Fauvet na direção do Monde. Mas, antes mesmo de ser empossado em suas novas funções, Julien foi impedido de assumir a direção do jornal. Foi nessa época que as relações entre o Monde e o Diplo ficaram mais tensas.

Antes de sua saída, e com o objetivo de preservar nossa autonomia editorial e nos proteger contra as ambições desmesuradas de certos hierarcas, Jacques Fauvet nomeou Claude Julien “diretor” do Monde diplomatique.

Enclave autônomo

Com colaboradores que não faziam parte do corpo de redação do jornal diário, Claude Julien instaurou uma linha editorial distinta da do Monde. E a circulação aumentou.

Isso significava que, dentro da mesma empresa, passavam a existir, desde então, duas publicações, o Monde e o Monde diplomatique, com redações absolutamente estanques. Não era esse o caso de outras publicações – o Monde des philatélistes ou o Monde de l’éducation, por exemplo – que continuavam hierarquicamente dependentes do diretor do Monde. Daí em diante, as pessoas que foram assumindo o comando do Monde sempre respeitaram a nossa linha editorial.

Mas a equipe do Diplo não se contentou com essa frágil autonomia. Durante a década de 80, esforçou-se por controlar sua própria gestão. Pouco a pouco, as despesas do Monde diplomatique passaram a constituir uma contabilidade independente. Chegou a ser instituído um Conselho de Orientação, que funcionava como um conselho administrativo.

Batalha pela filial

Para preservar nossa independência e deixar claras nossas relações com o Monde, era necessário criar uma filial distinta

No início da década de 90, Monde diplomatique – cujas vendas haviam aumentado consideravelmente – encontrava-se numa situação paradoxal: sua redação era independente e sua administração dependia exclusivamente de seus próprios recursos, mas continuava integrado a uma empresa, como uma espécie de enclave autônomo.

Foi então que demos início à nossa batalha pela filial. Nossa tese era de que, para preservar nossa independência e deixar claras nossas relações com o Monde, era necessário criar uma filial distinta. Na época, nenhum dos diretores do Mondeconcordou com essa reivindicação.

Com exceção de Jean-Marie Colombani. Durante sua campanha eleitoral, em 1994, ele nos fez essa promessa e, após ser eleito – e apesar da hostilidade da maioria das empresas acionistas do Monde – cumpriu o prometido.

Direito à crítica

Desde 1996, as análises políticas que publicamos têm sido, sobre inúmeros assuntos, muito diferentes das do Monde. Às vezes, foram francamente contrárias.

Jean-Marie Colombani concordou em ceder até 49% do capital da nova empresa (Le Monde diplomatique SA) a dois acionistas: a associação Günter Holzman (que é representada pelos empregados do Diplo) e a associação Amis du Monde diplomatique (Amigos do Monde diplomatique). Juntas, as duas associações detêm 49% das cotas, ou seja, bastante mais do que o mínimo necessário (33,34%) para impedir a aprovação de qualquer decisão sem a sua concordância sobre dois temas suscetíveis de abalar sua independência: a reforma dos estatutos e o aumento do capital.

Na realidade, nossos estatutos destacam que o diretor do Diplo só pode ser eleito pelo Conselho Fiscal mediante proposta apresentada pela Associação Günter Holzman. Portanto, é esta – ou seja, a redação do jornal – que elege seu diretor.

Desde 1996, as análises políticas que publicamos têm sido, sobre inúmeros assuntos, muito diferentes das do Monde. Às vezes – por ocasião da guerra do Kosovo, por exemplo – foram francamente contrárias. Não nos esquivamos a manifestar, em nosso jornal, as reservas que nos inspiravam o projeto de entrada do Monde na Bolsa de Valores1. Assim como destacamos os riscos que implicava a contínua ampliação das dimensões do grupo Le Monde2. A direção do grupo sempre acatou nosso direito à crítica.

(Trad.: Jô Amado)

1 - Le Monde diplomatique, outubro de 2001.
2 - Le Monde diplomatique, dezembro de 2002.