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As deduções de Einstein ajudaram a abalar as ideias sobre o mundo que herdamos da modernidade. E oferecem pistas para repensar, hoje, tempo, ciência, sociedade e utopia
(20/03/2010)
Em 20 de março de 1916, Albert Einstein publicou sua Teoria Geral da Relatividade. As ideias gerais nela contidas haviam sido apresentadas em novembro do ano anterior, na Academia Prussiana de Ciências, e ocupavam o físico desde 1907. Eram uma tentativa de colocar em diálogo sua Teoria Restrita da Relatividade (apresentada em 1905) e a física de Galileu e Newton, um dos fundamentos da ciência moderna. Mas abalavam as certezas anteriores (e ainda hoje predominantes, no senso comum) sobre tempo, espaço e movimento.
A imensa série de desdobramentos científicos e filosóficos da teoria de Einstein não cabe, evidentemente nestas linhas. Mas seu sentido geral é radicalizar a noção de que não há pontos de referência universais – nem, portanto, verdades únicas. Séculos antes, Galileu havia demonstrado que um mesmo fenômeno físico é visto de distintas maneiras, dependendo do ponto onde está o observador. Einstein acrescentou, a esta incerteza, muitas outras – relacionadas especialmente ao tempo. Também este, mostrou ele, dilata-se e se contrai. Não há um relógio universal, uma régua geral para todos os acontecimentos. Dois eventos que um observador vê como simultâneos podem não o ser para outro.
O interessante é que esta quebra de paradigmas científicos seria seguida, décadas mais tarde, por mudanças que sacudiram as noções sociais de tempo e a percepção sobre o status da ciência. Ao menos dois textos, disponíveis na Biblioteca Diplô, contribuem diretamente para este debate.
Em “O futuro do tempo”, Jérôme Deuvieau discute como a pós-modernidade dissolveu as réguas temporais mais importantes desde o Renascimento (as do trabalho) sem que nada tenha, ainda, ocupado seu lugar. Na Idade Média, considera ele, o tempo religioso dava sentido à vida. Mais tarde, este papel passou a ser exercido pelo labor, que cumpriu as três funções básicas antes preenchidas pela fé e seu serviço: a) Produzir vínculo social; b) Estabelecer laços entre atividade e "salvação"; c) Orientar o futuro, dando-lhe um sentido, agora secular.
Mas a deslegitimação do trabalho começa no século 19 e acelera-se no seguinte – por múltiplos fatores. Em países como a França, o tempo diretamente dedicado às atividades laborais cai de 70% da vida em vigília (em 1850) para 7% a 8%, hoje. As máquinas (o capital) encarregam-se de um conjunto crescente de atividades antes executadas por seres humanos. E as próprias aspirações dos indivíduos, na virada para o século 21, deslocam-se da acumulação de bens materiais para a "redescoberta de si".
O aspecto negativo destas transformações está, também ele, relacionado ao tempo e sua métrica. Os projetos anteriores de um "futuro melhor" por meio do trabalho coletivo perdem sentido – tanto os que apostavam nas supostas virtudes da disciplina capitalista quanto os que esperavam a coletivização da indústria. À falta de um futuro, busca-se desesperadamente o imediato: "o ser humano de hoje enxerga-se com direitos sobre o de amanhã, ameaçando o bem-estar, equilíbrio e às vezes a vida deste último".
A saída, imagina Deauvieau, está numa visão do futuro que substitua a velha ideia linear de tempo e "progresso" por outra, baseada na responsabilidade. Construir uma nova utopia é possível. Mas implica assumir posturas que já não se apoiam principalmente em nosso lugar na produção de riquezas – mas em nossa solidariedade com as gerações futuras, precaução com o planeta, preservação e multiplicação dos bens comuns.
A mudança de paradigma provocada pela Teoria da Relatividade suscita ainda outra linha de reflexão pouco convencional. Em "Outra ciência é possível", Jean-Marc Lévy-Leblond questiona uma das certezas que acompanham o Ocidente desde o Renascimento: o suposto caráter "neutro", "objetivo" e, portanto, "universal" do saber científico. É algo que resistiu, pensa ele, como um porto seguro no século 20. "Em um mundo no qual sistemas sociais, valores espirituais, formas estéticas vivem incessantes abalos, seria tranquilizador que a ciência oferecesse pelo menos um ponto fixo de referência, dentro do relativismo ambiente"...
Mas ao longo de seu texto, Leblond reúne elementos que contestam esta falsa segurança. O que chamamos hoje de "ciência" diz ele, é uma das múltiplas formas possíveis de produção do saber. Seu método, desenvolvido a partir da Grécia e baseado na abstração e na prova, é de fato um avanço em relação, por exemplo, às formulações empíricas dos egípcios. Regride mais tarde, para ressugir no Renascimento (com grande contribuição islâmica), associado à mecanização, ao "domínio da natureza" e à produção de riquezas. Mas pode perfeitamente estar em declínio. O comando mercantil que lhe deu força em outros tempos restringe gravemente, hoje, a "possibilidade de pesquisas especultaivas, sem garantia de sucesso imediato".
Não há ampliação de horizontes sem abandono das antigas referências. Assim como a Teoria da Relatividade nos liberta da segurança ilusória de um "tempo único", deveríamos estar abertos, conclui Leblond, a "outras formas de ciência". Mas não poderemos fazê-lo sem o doloroso reconhecimento de que não temos as chaves do saber... (Antonio Martins begin_of_the_skype_highlighting end_of_the_skype_highlighting)
> A Biblioteca Diplô oferece, além dos textos citados, fichas sobre Ciência, e Crise do Cientificismo e do Desenvolvimentismo
> Há verbetes ricos sobre Albert Einstein e a Teoria da Relatividade na versão em português da Wikipedia. Talvez o segundo exagere um pouco no recurso a fórmulas e equações. Um ótimo artigo sobre Albert Einstein – seu tempo, vida, obra e polêmicas – pode ser lido no site da Universidade Federal de Santa Maria, e acessado por aqui