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XANGAI, CIDADE GLOBALIZADA

A vitrine do capitalismo chinês

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Quinta cidade do mundo pela demografia e atividade portuária, Xangai foi eclipsada durante toda a era do maoísmo. Agora, os dirigentes chineses tentam fazer dela uma "cidade global". O que se faz em nome do futuro e sob o signo da desigualdade social

Philip S. Golub - (12/08/2000)

A bandeira vermelha flutua soberba sobre os edifícios das duas margens do rio Huangpu, em Xangai. O braço estendido para o futuro, um Mao de bronze se destaca sobre o fundo de elegantes edifícios dos anos 30, aqueles do Bund, [1] para melhor ressaltar a soberania recuperada e a recomposição da China após um século de humilhações infligidas pelas potências imperiais ocidentais e asiáticas (1839-1945). Mas, neste laboratório da modernidade chinesa, do comunismo sobraram apenas estes símbolos ambíguos de uma mestiçagem entre o ideal nacional e o impulso revolucionário. Exprimem somente o nacionalismo triunfante de um "país continente" irresistível e irreversivelmente mergulhado na competição econômica e geopolítica mundial.

Foi em Xangai que Deng Xiaoping e seus sucessores decidiram, no começo dos anos 90, após longas hesitações, [2] construir a primeira "cidade global" chinesa. Tratava-se de transformá-la num dos centros nervosos do sistema internacional que concentrasse as funções de comando, estruturasse os fluxos econômicos e financeiros no ritmo da marcha do mundo. [3] O presidente Ziang Zemin e seu primeiro-ministro, Zhu Rongji, optaram por reunir os saberes e os serviços "pós-industriais", os pólos da alta tecnologia, os recursos humanos "hiperqualificados e o capital requerido para fazer da cidade o centro chinês do capitalismo mundial, podendo rivalizar com Tóquio, mas sobretudo com Los Angeles e Nova York. Essas megalópoles tornaram-se o horizonte intransponível da visão chinesa do futuro. Aqui, a disputa não é com uma Europa de energias difusas, nem tampouco com o vizinho nipônico, mas com o gigantismo norte-americano.

Uma nave espacial kitsch, cor-de-rosa

Daí o mimetismo arquitetônico e a corrida à verticalidade, símbolo obrigatório da potência: reproduzindo as formas do objeto desejado, tenta-se apropriar-lhe as forças vitais. Em Pudong, comuna de Xangai situada na margem oriental do Huangpu — destinada, segundo o primeiro-ministro Zhu Rongji, a tornar-se uma Manhattan oriental — o Estado construiu uma cidade de quartzo. Ela é dominada pela já célebre torre de televisão, que parece uma nave espacial kitsch, rosa metálica, saída diretamente de uma história em quadrinhos norte-americana de ficção científica —, e pelo Edifício Jinmao, o arranha-céu mais alto da Ásia (custo: 540 milhões de dólares). Cinza, elegante, mas de uma frieza quase ameaçadora, abriga os bancos e um inevitável hotel de luxo.

Na dinâmica atual, a megalópole mais internacionalizada e próspera da China tornou-se um símbolo do renascimento do país mais populoso do mundo, de sua busca de riqueza, de seu sonho de grandeza. Eclipsada durante quase quarenta anos por um poder central que nutria uma desconfiança instintiva em relação ao cosmopolitismo das cidades costeiras, Xangai tornou-se a vitrine da política de abertura da equipe dirigente e uma zona privilegiada de experiências sociais. Ela encarna o futuro desejado e imaginado de uma China moderna. Símbolo do símbolo, uma imensa maquete dourada da comuna, como um trono, fica no hall de entrada do novo museu de urbanismo, na Praça do Povo. Assemelha-se estranhamente a um altar consagrado às deusas Riqueza e Potência. A imagem do Rockefeller Center novaiorquino vem espontaneamente ao espírito.

Um fluxo assustador de consumidores

Do passado arquitetônico não resta grande coisa. Subsistem ainda alguns lilongs, ruelas e lugares tradicionais, fadados cedo ou tarde a desaparecer; a antiga concessão francesa, refúgio da nova burguesia e dos expatriados ocidentais, lembra o encanto desusado da vida colonial; algumas ilhotas de tradição, como os jardins Yu, singularizam esta megalópole.

Estes enclaves não fazem senão acentuar o radicalismo da mudança. Nos novos bairros, estamos em toda parte — em Caracas, Houston, Los Angeles, Paris — isto é, em lugar algum. A memória se perde num oceano de concreto, de vidro e de aço. "O nivelamento de bairros inteiros para dar lugar às vias expressas urbanas e aos arranha-céus faz parte de uma supressão dos traços físicos da memória de forma muito mais segura e rápida que as campanhas políticas da época maoista." [4] No coração da cidade, o Bund se transformou no grande lugar do consumo de massa, substituto comercial do culto das massas. A artéria central, Nanjinglu, concentra as grandes lojas. Em Pudong, perto do Jinmao, um hipermercado Carrefour acolhe um denso fluxo, permanente, quase assustador de consumidores. Estes lugares estão em vias de suplantar as formas tradicionais de convivência.

A opção pelo novo

Xangai inclina-se para o futuro. Aqui, a nostalgia e o olhar estético não convêm. Saída de sua letargia, a cidade se agita. Emana uma incontestável energia e suscita imensas esperanças de ascensão econômica e social. Em matéria de urbanismo, a grande massa dos moradores de Xangai aprovaria sem dúvida a filosofia urbana de Le Corbusier, para quem as idades de ouro não passam de enganação. Não havia nada de bonito nem de memorável nas vetustas habitações ou nas favelas desaparecidas. Xangai não olha para trás, nem mesmo este ancião, mais assustado que nostálgico diante de tal reviravolta: "Não consigo mais me situar, mas tudo bem." Os signos que permitiam narrar a história antiga da cidade cedem lugar a uma nova narração, vertical e de concreto.

Poderia ter sido de outra forma? Pesquisador na Academia das Ciências Sociais de Xangai e especialista da cidade, o historiador Zheng Zu’an destaca, contrariado, o preço a pagar por um desenvolvimento necessário: "Havia história em cada casa, em cada esquina. A perda da memória é muito grave. Mas também havia uma necessidade imperiosa de espaço e era preciso destrinchar." Daí a necessidade de arrasar quarteirões inteiros, insalubres, e construir infraestruturas. Mais do que reparar o antigo, optou-se pelo novo. Era preciso alojar decentemente a população, cerca de 13,5 a 14 milhões de pessoas, das quais quase a metade de trabalhadores; de fato, perto de 17 milhões, se considerarmos os migrantes rurais que afluem à cidade desde o fim dos anos 80. [5] Do ponto de vista funcional, o progresso é incontestável: cada morador de Xangai nato — isto é, com direito a residência — dispõe atualmente de um pouco mais de espaço (em média, nove metros quadrados habitáveis contra seis metros quadrados há vinte anos), de água potável, de um conforto elementar.

Uma dualidade social brutal

É preciso entretanto distinguir entre a urbanização de urgência, realizada entre 1950 e 1990 com os meios disponíveis para alojar as pessoas, e aquela a que se assiste desde o fim dos anos 80, sob o impulso da liberalização. Na primeira fase, as autoridades construíram, sempre próximo das fábricas, imensos complexos de habitações populares sobre o rio Huangpu, na periferia da região central da cidade e nos subúrbios. Batizadas "novas cidades", mas inevitavelmente cinzentas, elas tinham melhorado consideravelmente a situação do alojamento.

Daí em diante, construíram-se, numa febre especulativa (mas a bolha já começa a desinchar), escritórios, torres cintilantes vazias pela metade. O império da necessidade cede lugar ao supérfluo e aos símbolos. A questão não é de ordem estética: os arranha-céus são de longe mais atraentes visualmente que os blocos de habitações populares rodeando o centro da cidade. É de ordem social.

A irrupção repentina do mercado como lógica dominante alterou a natureza do desenvolvimento urbano. A privatização do setor imobiliário e o declínio das obras públicas engendraram "uma distribuição desigual de propriedade e acentuaram a desigualdade das riquezas". [6] A exemplo da Paris do barão Haussmann, a construção da cidade futurista se fez evacuando do centro da cidade centenas de milhares, até mesmo milhões, de pessoas. Xangai retornou brutalmente a uma dualidade social que lembra a época colonial e uma distância radical separa os novos ricos, engajados nas atividades pós-industriais e nos serviços, e as classes operárias.

A vantagem da mão-de-obra inesgotável

As classes operárias, sim, pois há várias: aquela que desfruta — por quanto tempo ainda? — das vantagens do salário nas empresas estatais (seguro social, aposentadoria etc.); aquela cada vez mais numerosa dos novos desempregados, expulsos do setor privado, e de pessoas ditas "à espera de um emprego" (os xiangang, demitidos das empresas públicas em cursos de requalificação); aquela, enfim, dos inumeráveis migrantes rurais que afluem para tentar escapar da miséria, encontrar um emprego e aproveitar o enriquecimento atual. Na estratificação social emergente, estes últimos formam um novo sub-proletariado.

Para integrar o país à globalização e beneficiar-se da vantagem comparativa que confere à China uma mão-de-obra inesgotável, o Estado reformador liberalizou de fato o mercado de trabalho. Para isso, suavizou o huku (sistema de passaportes internos sob o governo de Mao que fixava as pessoas a seu local de residência), e incentivou os fluxos migratórios rurais para as zonas de produção voltadas para a exportação e para a indústria da construção civil.

Segunda fase deste programa, a reestruturação das empresas públicas se destina a flexibilizar ainda mais o mercado de trabalho. Economista da Universidade Fudan, Lu Ming acentua que deixando agir as forças do mercado, o governo "está de fato desregulamentando o mercado de trabalho pouco a pouco" , efetuando arbitragens permanentes entre "eficácia econômica e estabilidade social" . Segundo ele, seria preciso desregulamentar primeiro e fazer "baixar os custos salariais no setor público para eliminar a rigidez" , que subsiste.

Todos os dias, diante da estação, milhares de migrantes rurais se amontoam. Esperam que os agentes recrutadores das empresas de construção lhes proponham emprego. Quantos serão? Mais de três milhões, segundo as estimativas correntes. Sem dúvida mais ainda, se forem incluídos os que não se inscreveram junto às autoridades. Trazem suas diferenças no próprio rosto, no olhar, na vestimenta, na língua. Homens, mulheres e crianças, vindos principalmente das províncias limítrofes (Jiangsu, Anhui etc.), mas às vezes de muito longe, agrupam-se em redes familiares ou étnicas para poder pagar o aluguel indispensável à obtenção de um certificado temporário de residência.

Desprezo e indiferença

As mulheres se fazem vendedoras de rua, as crianças mendigos, vendedores de flores ou de bugigangas. Quando têm trabalho, os homens se concentram na construção — setor dominado pelas grandes empresas de Taiwan e Hong-Kong. Não desfrutando nenhum dos direitos dos trabalhadores do setor dito protegido, vivem (e às vezes morrem) nos canteiros por salários irrisórios: 200 a 250 francos por mês (aproximadamente, de 50 a 62,50 reais) na província de Guandong; mais do dobro em Xangai. São eles que constroem os arranha-céus, as estradas, cumprindo as tarefas mais pesadas. À luz de potentes projetores, trabalham noite adentro nos canteiros, a dois passos dos locais badalados do centro da cidade, dos bares e clubes privados.

Vítimas do desprezo ou da indiferença dos cidadãos natos de Xangai, estritamente vigiados pelas autoridades graças ao sistema de certificados temporários de residência recentemente instaurado e ao patrulhamento das cidades pelos comitês de fábrica e de bairro, estes migrantes andam lado lado com os habitantes "legais" sem jamais compartilhar da cidade. Na realidade, um cordão sanitário separa estes serventes daqueles para os quais eles constróem a cidade do futuro.

Um terceiro-mundo suburbano?

Entre 1988 e 1995, o Estado suprimiu as subvenções alimentares e o auxílio-aluguel foi distribuído de forma desigual. Em 1997, só 44% dos desempregados registrados recebiam abonos, muito fracos, aliás — em média, 49 yuans por mês, ou seja, um décimo do salário médio. É claro que em Xangai, onde os salários e os abonos são mais altos, os xiangang recebem 300 yuans por mês mas, como os migrantes, vivem a anos-luz da insolente riqueza da cidade burguesa. Um exemplo: na rua Huaihai Xi, empreiteiros acabam de construir um clube privé-discoteca de dez andares. O cartão que dá acesso ao clube custa 2.000 dólares (cerca de 16.600 yuans), o que corresponde a mais de quatro anos de aluguéis ou de dois a três anos de salário de um professor de ginásio.

O futuro? O que fazer com os migrantes uma vez terminada a construção da nova cidade? No que se tornarão quando não tiverem mais "utilidade econômica"? Serão marginalizados ou virão engrossar as fileiras de um terceiro-mundo suburbano? Em qualquer caso, não poderão ser integrados à malha produtiva de uma cidade cuja política é atualmente a de deslocar as indústrias tradicionais para as províncias mais pobres, e atrair engenheiros, universitários e "produtores de símbolos" de toda a China. O objetivo da municipalidade, diz um de nossos interlocutores, é "atingir rapidamente um nível e um estilo de vida comparáveis àqueles das megalópoles dos países desenvolvidos" .

Com esse objetivo, aqui como em qualquer outro lugar, o Estado se desinveste do social e deixa "aos pobres o trabalho de se ocupar dos pobres". [7]

Traduzido por Celeste Marcondes.



[1] Bairro comercial de Xangai construído nos anos 30 e situado na margem ocidental do rio Huangpu.

[2] O Conselho de Estado chinês lançou em 1986 um "plano sistemático para a metrópole de Xangai" , destinado a transformá-la numa cidade "moderna e socialista dotada de uma economia próspera e uma civilização avançada" . Mas não foi senão no começo dos anos 90 que o plano foi realmente executado.

[3] Ler, de Saksia Sassen, A cidade global, ed. Descartes & Cie, Paris, 1996.

[4] Ler, de Christian Henriot e Zheng Zu’an, Atlas de Shanghaï, Espaces et représentations de 1848 à nos jours, CNRS éditions, Paris, 1999, p.11.

[5] Ler, de Jean-Louis Rocca, "A onda do desemprego rebenta sobre a China", Le Monde Diplomatique, janeiro de 1999.

[6] Ver Policies for Poverty Reduction in China, Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento (PNUD) e Agência Internacional do Trabalho (BIT), 1999.

[7] Segundo a muito pertinente expressão de uma pesquisadora da Agência Internacional do Trabalho que quis guardar o anonimato.


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