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ITÁLIA

Como a esquerda perdeu Bolonha

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Em 27 de junho de 1999, depois de ter sido governada sem interrupção pela esquerda durante cinqüenta e quatro anos, Bolonha elegeu um prefeito de centro-direita. Mais que um símbolo, essa derrota é um sintoma de uma guinada do país

Rudi Ghedini - (12/09/2000)

Massimo D’Alema renunciou. Seu partido, os Democratas de Esquerda (DS), acumula derrotas. O jornal Unità, fundado por Antonio Gramsci, desaparece. A coalizão de centro-esquerda afunda, lembrando cada vez mais uma concha vazia... Embora se atribua, em geral ao fracasso do governo Prodi a origem deste abismo, a "queda do muro de Bolonha", em 27 de junho de 1999, e a eleição do candidato de centro-direita, Giorgio Guazzaloca, com 50,69% dos votos, para a prefeitura de uma das capitais da esquerda italiana desde 1945, constituiu um ruidoso sinal de alerta, uma "reviravolta que chegou a ser mencionada na imprensa da Nova Zelândia". [1]

Houve zombaria da imprensa que, lembrando o trabalho de Guazzaloca — açougueiro —, publicou fotos dele, entre bifes e facas, dando-lhe uma conotação shakespeariana: "Uma libra de carne, o mais perto possível do coração." [2] Outros puseram em manchete: "Bolonha não é mais vermelha" [3] ou "Bolonha abandona a esquerda" [4]. Apesar disso, e embora ressaltando a importância do fato, ninguém quis realmente analisar suas causas. Sobretudo a DS que, por ocasião do seu congresso nacional, em janeiro deste ano, em Turim, nem tocou no assunto: segundo eles, já teriam tido uma pequena vingança, quando, nas eleições legislativas de novembro de 1999, foi confirmado o presidente originário da região, o que provaria que a questão estava encerrada.

Efeito retardado de uma derrota

Aliás, quase todas as lideranças de centro-esquerda se obstinaram em minimizar os fatos e em buscar culpados a nível local, responsabilizando pela catástrofe as lutas internas da coalizão municipal e a aliança frustrada com o Partido da Refundação Comunista (PRC). Foi necessário o fracasso nas eleições da primavera de 2000 (regionais e plebiscito) para que, enfim, se iniciasse um debate autocrítico.

Em Bolonha, toda a esquerda foi derrotada, inclusive aqueles que, de dentro dela, criticavam as opções do conselho municipal, dirigido pelo prefeito Walter Vitali, do PDS. Pois um exame lúcido dos resultados não deixa dúvidas: não só os democratas de esquerda perderam votos, mas também os Verdes e o PRC, numa eleição que se caracterizou por uma abstenção em massa. Pior, a maioria dos jovens votou em Guazzaloca. "Bolonha acaba sendo a síntese, o efeito retardado de uma derrota histórica. A partir de Bolonha, toda a esquerda poderia ter efetuado uma mudança, abrindo perspectivas com base nos princípios fundamentais — justiça social, participação, direitos de cidadania — esquecidos nos últimos anos. Só assim a mensagem eleitoral de 27 de junho de 1999 terá encontrado uma resposta." [5]

Modelo para a Europa

Contudo, o "fenômeno Guazzaloca" está no fato de que o novo prefeito não mostra qualquer intenção de ruptura com o famoso "modelo emiliano", que ele espera apenas fazer evoluir. Na época de Togliatti, [6] a região da Emilia-Romana "vermelha" tornou-se o verdadeiro laboratório de um "socialismo" que se aproveitava da riqueza da região (uma próspera agricultura, com base em cooperativas, estimulada por uma densa rede de pequenas e médias empresas industriais) para priorizar os investimentos sociais, ao invés das exigências econômicas. Esta iniciativa permitiu que o governo local tivesse o apoio de um amplo bloco social — uma aliança entre a classe operária e as classes médias — que contribuiu para perpetuar o consenso.

A ponto de um jovem governador do Estado de Arkansas, um tal... William Clinton, ter viajado para ver de perto os "distritos industriais". Assim como a "preservação do centro histórico" serviu de "estudo de caso" para toda a Europa. E não foi por acaso que a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE) escolheu Bolonha para seu recente encontro sobre pequenas e médias empresas.

Excetuando os vereadores pós-facistas da Aliança Nacional, ninguém da nova maioria exige a transformação deste estado de coisas. Trata-se, na verdade, somente de uma mudança de fase política, na qual as forças econômicas decidiram terminar com a gestão tradicional, a do ex-Partido Comunista Italiano (PCI), a fim de ser diretamente representadas na direção dos negócios. E, principalmente, por um político que não é um total estranho ao "modelo": Guazzaloca fez e ainda faz parte dele; ele herdou a crise, assim como seus êxitos; e espera moldá-lo a seus objetivos, e não descaracterizá-lo.

Insegurança e medo da solidão

Além do mais, o discurso de "mudança" não assusta os bolonheses. Tomem-se anos que o ex-PCI manteve esse discurso na cidade que lhe serviu de cartão postal para exportação. A partir da evolução do partido iniciada em 1989 pelo então secretário-geral, Achille Occhetto, Bolonha viu se sucederem dois prefeitos (Renzo Imbeni e Walter Vitali), dois símbolos (o carvalho, e depois a rosa, em lugar da foice e do martelo), e duas alianças. Com a coalizão "Unidos na Oliveira", criada durante o governo de Romano Prodi, os partidos de centro-esquerda lançaram-se numa renhida competição. Mas, principalmente o PCI, que depois passou a ser PDS (Partido Democrático de Esquerda), e depois DS, atravessou uma mutação genética, negando a herança de um comunismo declarado incompatível com a liberdade. Só uma só coisa nunca mudou: Bolonha era e continuaria sendo a vanguarda.

Não é mais. É claro que Bolonha continua sendo uma cidade mais habitável que muitas outras, graças à habilidade desenvolvida após décadas pelos governos locais. A partir da década de 90, no entanto, o declínio é evidente e não há propaganda que o consiga disfarçar: a cidade envelheceu e expulsa os jovens; inúmeras empresas importantes, públicas e privadas, pertencem agora a firmas multinacionais; a qualidade dos serviços públicos, que era o orgulho da cidade, deteriorou-se. Como em qualquer outra cidade rica, o sentimento de insegurança e o medo da solidão num ambiente hostil perturbam a vida cotidiana dos habitantes. Contudo, as verdadeiras causas não são essas: elas estão na degradação das condições de vida e de trabalho e na incerteza, que acentuam o desemprego persistente e o enfraquecimento do sistema de segurança social. Nessas condições, a presença de alguns milhares de imigrantes (menos de 3% da população) parece um peso insustentável!

Agravam-se as desigualdades sociais

De um modo geral, os últimos anos de gestão pela esquerda levaram a muitas decepções: promessas, mas poucas realizações. Daí, por exemplo, a queda de participação num plebiscito local sobre o destino das farmácias de propriedade pública e sobre a restauração da estação ferroviária. O mítico buongoverno, eficaz mas paternalista, já não funciona como antes: há longas listas de espera nas creches; foram descobertas salmonelas [7] nas cantinas para a crianças; as ruas da cidade estão esburacadas, as calçadas mal cuidadas; as árvores apodrecem sem que alguém trate delas; um pouco de neve é suficiente para paralisar o trânsito. Enquanto antes eram os principais partidários da ação administrativa, os funcionários estão decepcionados: no seu terceiro e último mandato, o prefeito Vitali teve que enfrentar um número recorde de greves de servidores da cidade e de suas empresas.

Paradoxalmente, os antigos pontos fortes da cidade — a universidade, a feira, o sistema bancário, a rede hospitalar — acabaram por agravar as desigualdades sociais. Morar em Bolonha tornou-se um verdadeiro privilégio, pois os preços dos aluguéis dispararam. Ela é hoje uma das cidade mais caras da Europa. Nos últimos vinte anos, perdeu 100 mil habitantes, ou seja um quinto da população. E o antigo centro da cidade conta um terço de habitantes a menos. Há duas vezes menos operários e aprendizes. A maioria é formada agora por administradores, empresários e profissionais liberais.

Concreto e asfalto tomam a cidade

Também os transportes públicos perderam, em alguns anos, 40% dos usuários, basicamente trabalhadores e estudantes. Apesar do resultado do plebiscito de 1984 — quando 70% dos habitantes votaram pelo fechamento do centro da cidade aos automóveis — as áreas de pedestres não passam de simbólicas. Trânsito e poluição pioraram, como confirmam os dados sobre o benzeno, a poeira e o barulho.

Enquanto trabalhadores autônomos, comerciantes ou assalariados do setor de serviços se instalam na cidade, os assalariados dos setores tradicionais se dispersam em pequenas unidades de produção espalhadas pela região. Ligado ao mundo do consumo e ao tempo livre, o aumento da exigência de mobilidade impôs o uso do automóvel. A difusão da riqueza privada deu-se no mesmo ritmo da degradação dos bens públicos.

Por outro lado, a redução das despesas com a cidade multiplica a terceirização, tendo por conseqüência a degradação da qualidade dos serviços e administração da cidade. Mesmo quando a centro-esquerda tentou inovar (desenvolvimento sustentável, controle do crescimento urbano), na prática não soube respeitar sua própria escolha: contrariamente às decisões tomadas, a feira cresceu, a pista do aeroporto foi aumentada, as auto-estradas alargadas. O concreto e o asfalto espalharam-se por toda a parte. E no entanto não é difícil, na Itália, acharem-se os recursos necessários, assim como leis especiais — e pretextos proliferam, da Copa do Mundo ao Jubileu.

O momento da fratura

A esquerda — e não somente a que está no governo — subestimou as conseqüências políticas desta mudança nos hábitos de estilo de vida dos habitantes. Logicamente, os últimos conselhos municipais tentaram compor com as forças econômicas em ação. Mas a transparência, exaltada durante as negociações, foi rapidamente esquecida. Esvaziados de seu conteúdo político, os conflitos sociais foram tratados pela "diplomacia", ou apresentados como simples dificuldades técnicas.

O governo e os democratas de esquerda, em todos os casos, colocavam-se como simples mediadores de um acordo ambíguo. À medida que o contrato de confiança entre a cidade e o "pessoal de esquerda" se desfazia, modificava-se o equilíbrio tácito entre os poderes em ação. Vários observadores situam a fratura decisiva no momento em que, pela primeira vez, um simpatizante da DS foi nomeado para a presidência da Câmara de Comércio, lugar e cargo de Guazzaloca.

Guerra aos fannulloni?

Aproveitando-se das dificuldades da esquerda, certos atores (em primeiro lugar a reitoria e a cúria) começaram a se lançar à conquista da cidade. Para encarnar suas ambições, Guazzaloca apresentou-lhes o perfil sonhado — a ponto de ter havido lideranças da DS propondo sua candidatura à frente da coalizão de centro-esquerda... O homem divulgava sua "bolonhidade", palavra que ostenta. Seu objetivo era esse "patriotismo local", que já se tornou caso de estudo para os cientistas políticos. Obra-prima de sua tática na sua campanha eleitoral, ele citou Giuseppe Dozza, prefeito comunista na época da libertação. Dito de outra maneira: "Como Bolonha era linda naquela época!", mensagem que tocou o coração dos "antigos", inclusive de esquerda...

Eleito prefeito, Guazzaloca preferiu dar continuidade à administração precedente — durante a qual a centro-direita freqüentemente votara com a esquerda. Continuidade também no que se refere aos servidores: os que esperavam a aplicação do "spoiling system" ficaram decepcionados. Embora, durante a campanha eleitoral, o candidato Guazzaloca declarasse guerra aos fannulloni (preguiçosos), uma vez eleito ele confirmou no cargo quase todos as lideranças da administração precedente...

O intérprete da estabilidade

Afirmação típica do estilo do prefeito: "Os problemas não são nem de direita nem de esquerda." Há quem caia na armadilha e se diga de acordo com suas propostas: a diferença entre direita e esquerda está nas repostas concretas. Na realidade, a verdadeira questão é a das prioridades e dos recursos que lhe serão destinados. Impor algumas delas — a segurança, por exemplo — significa descuidar de outras: a luta contra a degradação da cidade, do meio ambiente, e, já que se fala em segurança, a do trabalho: após mais de meio século de governo de esquerda, os fiscais do trabalho descobriram graves irregularidades em 70% dos canteiros de obras.

O senso de vida em comum, do bem comum, está perdido. Excluída da vida da cidade, uma parte crescente da sociedade refugiou-se na abstenção. Bem mais que "votos", foi a cidade que passou para a direita. Com seu localismo, que se pretende tranquilizador, Guazzaloca apresenta-se como o perfeito intérprete da cultura da estabilidade. Com ele, a política cede definitivamente lugar para a técnica.

Traduzido por Gustavo Adolfo Maia Junior.



[1] Corriere della Sera, Milão, 30 de junho de 1999.

[2] O mercador de Veneza, de William Shakespeare, citado em La Stampa, Turim, 24 de junho de 1999.

[3] La Repubblica, Roma, 28 de junho de 1999.

[4] L’Unità, Roma, 28 de junho de 1999.

[5] Guazzaloca 50,69%, de Rudi Ghedini e Roberto Monteventi, ed. Luca Sossella, Roma.

[6] Sucessor de Antonio Gramsci, o fundador do PCI, Palmiro Togliatti exilou-se em Moscou, onde trabalhou nas décadas de 30 e 40, sob o pseudônimo de Ercoli (Hércules), na direção da Internacional Comunista, voltando à Itália no fim da Segunda Guerra Mundial, onde dirigiu o partido até sua morte, em 1964.

[7] N.T.: A salmonela é uma bactéria que pode ser agente da febre tifóide.


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