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De outubro a dezembro de 2001, Giovanna Borradori fez uma série de entrevistas com Jürgen Habermas e Jacques Derrida em Nova York. Desse trabalho resultou um livro, ’Le concept du 11 septembre’, publicado este mês, em Paris, pela Editora Galilée
(01/02/2004)
[Fragmento da “Introdução”, de Giovanna Borradori, p. 45-50] […] Se Jürgen Habermas pensa que a razão, que permite uma comunicação transparente e sem manipulação, é suscetível de curar os males da modernização – entre os quais o fanatismo e o terrorismo –, Jacques Derrida considera que essas tensões destrutivas podem ser detectadas e nomeadas, mas não inteiramente controladas nem derrotadas. Habermas critica a rapidez com que a modernização se impôs e a reação de defesa que ela provocou no modo de vida tradicional, quando esta reação de defesa é, na visão de Derrida, o próprio produto da modernidade. O terrorismo constitui, para ele, o sintoma de uma doença auto-imune que ameaça a vida da democracia participativa e o sistema legislativo que a garante, assim como uma verdadeira separação dos campos religioso e laico. A auto-imunização provoca a morte espontânea dos mecanismos de defesa que são considerados como devendo proteger o organismo de uma agressão externa. Partindo desta análise preocupante, Derrida exorta-nos a buscar, lenta e pacientemente, o caminho da cura. […] Como a guerra fria, o espectro do terrorismo mundial assombra nosso futuro porque mata a promessa da qual depende uma relação construtiva em nosso presente. Por seu horror, o 11 de setembro fez com que, agora, esperemos pelo pior. A violência dos atentados que tiveram por alvo as torres gêmeas e o Pentágono fundou um terror abissal que ocupará nossa existência e nossos pensamentos pelos anos - talvez até pelas décadas - vindouros. Ter escolhido designar esses atentados por meio de uma data, o 11 de setembro, confere ao acontecimento uma importância histórica, o que interessa tanto à mídia ocidental tanto quanto aos terroristas.
Para Habermas, assim como para Derrida, a globalização desempenha um papel importante no terrorismo. Se o primeiro vê no crescimento das desigualdades a conseqüência de uma modernização acelerada, o segundo interpreta a situação de modo diferente conforme o contexto. De acordo com Derrida, a globalização tornou possível, por exemplo, uma democratização rápida e relativamente fácil das nações da Europa Oriental que faziam parte do bloco soviético; neste caso, considera-a benéfica. […] Em contrapartida, ele está extremamente preocupado com os efeitos da globalização sobre a dinâmica dos conflitos e da guerra.
“Entre os supostos senhores da guerra, entre as duas metonímias “Bin Laden” e “Bush”, a guerra das imagens e dos discursos avança cada vez mais depressa em todos os sentidos, dissimulando e despistando, cada vez mais depressa, a verdade que ela revela” (p. 183).
Entretanto, há situações em que a globalização nada mais é que um artifício retórico que permite mascarar a injustiça. É o que se passa, explica Derrida, nas culturas islâmicas, onde a globalização não desempenha o papel que se lhe atribui. Neste ponto, Derrida aproxima-se de Habermas, vinculando a globalização não só às desigualdades, mas também ao problema da modernidade e do Iluminismo. […] O mundo islâmico é um caso único sob dois aspectos: primeiramente, falta-lhe conhecer esta quintessência da experiência moderna que é a democracia, que, com Habermas, Derrida considera necessária para que uma cultura enfrente a modernização de maneira positiva; em segundo lugar, muitas culturas islâmicas se desenvolvem num solo rico em recursos naturais, como o petróleo, os quais Derrida define como sendo os últimos bens “não virtualizáveis e não desterritorializáveis”. Esta situação torna o bloco islâmico mais vulnerável à modernização selvagem veiculada pelos mercados globalizados nas mãos de um pequeno número de Estados e de empresas multinacionais.
Se Habermas vê no terrorismo a conseqüência do choque produzido pela modernização que se propagou pelo mundo com uma velocidade extraordinária, Derrida considera o terrorismo o sintoma de um elemento traumático intrínseco à experiência moderna e que se concentra permanentemente no futuro, percebido de modo patológico como uma promessa, uma esperança e uma afirmação de si. Duas reflexões sombrias sobre a herança do Iluminismo, sobre a intransigente busca de uma posição crítica que deve partir da auto-análise.
(Trad.: Iraci D. Poleti)