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Falência fraudulenta da multinacional italiana, com grande operação no Brasil revela mais uma vez a facilidade com que empresas do capitalismo globalizado se apóiam em fraudes deliberadas para manter um crescimento artificial
- (01/02/2004)
“Viva a ética nos negócios!”, “Viva a empresa moral!” Ouvidos durante o Fórum Econômico Mundial, de Davos, estes gritos revelam uma promessa: a de que o capitalismo partirá para uma retomada em bases desinfetadas. Será difícil. Isto porque, precisamente no momento em que esse desejo era manifestado, a imensidão do caso Parmalat explodia à luz do dia. Classificado como o maior escândalo financeiro na Europa desde 1945, deixa prever ondas de choque semelhantes àquelas, desastrosas, que provocaram a falência fraudulenta da distribuidora de energia Enron, em dezembro de 20011 .
A Parmalat significava o exemplo de um sucesso impulsionado pela dinâmica da globalização liberal. Começando como uma pequena empresa familiar de distribuição de leite pasteurizado localizada nos arredores de Parma, na década de 60, ela se desenvolveu graças à habilidade de seu fundador, Calisto Tanzi, e aos generosos subsídios da União Européia. A partir de 1974, a Parmalat internacionalizou-se, instalando-se no Brasil e, depois, na Venezuela e no Equador. Multiplicou suas filiais e criou empresas intermediárias em todos os territórios que oferecessem facilidades fiscais (Ilha de Man, Holanda, Luxemburgo, Áustria e Malta) e, em seguida, nos paraísos fiscais (Ilhas Caiman, Ilhas Virgens britânicas, Antilhas holandesas...). Em 1990, colocou ações na Bolsa de Valores, afirmando-se como o sétimo grupo privado da Itália e ocupando o primeiro lugar mundial no mercado de leite de longa conservação. Este colosso empregava em torno de 37 mil funcionários em mais de 30 países e seu faturamento chegou, em 2002, a 7,6 bilhões de euros (cerca de 27 bilhões de reais), valor superior ao do Produto Nacional Bruto (PNB) de países como o Paraguai, a Bolívia, Angola ou o Senegal...
Esse formidável sucesso permitiu que Tanzi, o patrão, fosse considerado uma das personalidades do establishment italiano, membro da Cofindustria (sindicato patronal italiano). Assim como permitiu que as ações da Parmalat significassem investimento seguro na Bolsa de Milão.
Até o dia 11 de novembro de 2003. Nessa data, auditores em contabilidade questionaram um investimento de 500 milhões de euros (1,75 bilhão de reais) no fundo Epicurum, sediado nas Ilhas Caiman. Imediatamente, a agência Standard & Poors baixou o valor da cotação dos títulos Parmalat. As ações caem. Nesse mesmo momento, a Comissão de Operações da Bolsa solicita esclarecimentos quanto à forma pela qual o grupo pretende reembolsar as dívidas com prazo até o final de 2003. A preocupação toma conta de acionistas e detentores de ações. Com o objetivo de tranqüilizá-los, a direção da Parmalat anuncia, então, a existência de um fundo de 3,95 bilhões de euros (14 bilhões de reais), depositado numa agência do Bank of America nas Ilhas Caiman. E apresenta um documento, emitido por aquele banco norte-americano, comprovando a autenticidade dos títulos e da liquidez referentes ao valor divulgado. A jogada da direção da empresa é por tudo ou nada. Ou as pessoas se tranqüilizam, as ações sobem e os negócios progridem, ou permanece a desconfiança e existe o perigo do colapso.
Foi nesse instante decisivo, quando pensava que daria a volta por cima, que o grupo recebeu a estocada fatal. No dia 19 de dezembro, o Bank of America afirma que o documento divulgado pela Parmalat para provar a existência dos 3,95 bilhões de euros... era falso! Um documento em papel timbrado pouco confiável, grosseiramente falsificado com um scanner! As ações despencam. Em poucos dias, não valem quase nada. Mais de 115 mil investidores e pequenos poupadores percebem ter sido enganados e, alguns deles, arruinados. Começa o escândalo. Logo se iria saber que o endividamento da Parmalat chega a 11 bilhões de euros (38,5 bilhões de reais)! E que foi deliberadamente dissimulado, há vários anos, por meio de um sistema fraudulento com base em desvios contábeis, orçamentos falsos, documentos falsificados, lucros fictícios e complexas pirâmides de empresas offshore, umas vinculadas às outras de modo a tornar impossível detectar a origem do dinheiro e a análise das contas. Por ser permanente, a fraude não era detectável, tanto assim que, na própria véspera do escândalo eclodir, o Deutsche Bank, por exemplo, adquiriu 5,1% do capital da Parmalat, enquanto analistas de mercado recomendavam veementemente (strong buy) a compra de títulos do grupo... Escritórios de auditoria, como o Grant Thornton e o Deloitte & Touche, assim como grandes bancos, como o Citigroup, são acusados de cumplicidade. E, uma vez mais, foi destacada a nocividade dos paraísos fiscais2 . O caso ganha dimensões planetárias.
Após a falência da Enron, os partidários da globalização liberal afirmavam que aquilo significava o fim dos empresários-bandidos e das empresas-escroques. E que aquele caso acabara sendo benéfico, pois permitira ao sistema que se corrigisse. O escândalo da Parmalat prova que não se trata de nada disso.
(Trad.: Jô Amado)
1 - Em conseqüência de manipulações contábeis, a falência da Enron acarretou a demissão de 5.600 pessoas e fez evaporar 58 bilhões de dólares de capitalização.
2 - Em relação a este aspecto, ler, de Pierre Bauchet, Concentration des multinationales et mutation de l’Etat, edições do CNRS, Paris, 2003.