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CHINA

O desembarque em Tóquio

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O Japão é o novo alvo de investimentos das grandes empresas chinesas. Motivada pela busca de tecnologia, compra de empresas nipônicas começou há quatro anos, cresceu 400 vezes e desperta temores no arquipélago

Odaira Namihei - (01/11/2005)

Três anos depois, a Akyiama, primeira empresa japonesa vendida a chineses, reviveu: passou de 79 a 160 empregados; o sistema de previdência foi mantido; os bônus voltaram

Em 26 de abril de 2005, nos corredores do maior centro comercial especializado em produtos de informática de Beijing, situado no bairro de Zhongguancun, pairava uma atmosfera um tanto estranha. Enquanto na capital chinesa milhares de jovens se manifestavam contra o Japão e sua leitura da história1, pedindo boicote aos produtos japoneses, outros, igualmente numerosos, apertavam-se nos estandes do centro comercial, sonhando diante de computadores e consoles de jogos importados do país do Sol Nascente.

Os serviços de segurança privada encarregados de vigiar as entradas tinham conseguido evitar que a bagunça da rua atrapalhasse a atividade de um lugar onde as máquinas Sony e Toshiba são veneradas por um público de especialistas. No entanto, alguns jovens conseguiram entrar, vestindo camisetas onde se podia ler, num misto de chinês e inglês, “Dizhi Rihuo, Xing Wo Zhonghua” - “Fuck Japanese, China is strong”, ou seja: “Boicote aos produtos japoneses, apoiemos a China - Danem-se os japoneses, a China é forte”.

Aparentemente, os vendedores dos estandes da IBM — cujo departamento de computadores foi comprado, em janeiro de 2005, pelo primeiro fabricante chinês de PCs, Lenovo — aprovavam estes slogans, tentando aproveitar para convencer a freguesia a se interessar pelos seus produtos. “Nossos computadores são tão bons quanto os da Sony. Olhe o que eu estou dizendo: um dia desses, uma empresa chinesa vai comprá-la. A Lenovo já conseguiu ficar com a IBM”, investe um deles a um ocidental mais interessado pelo último modelo Sony.

A estratégia: buscar empresas em crise

“Quando se fala de tomada de controle, vem em mente o modelo ocidental, que resulta em reestruturações. Nossa abordagem é diferente”, garante o presidente da SEG Japan

Sem dúvida encorajado pelos acontecimentos que se desenrolavam não longe dali, e em muitas outras cidades do país, o vendedor não podia ter dito melhor. Certamente, a gigante Sony ainda não está ameaçada de ser comprada por um rival chinês - mas é evidente que as empresas do continente cobiçam cada vez mais o país do Sol Nascente e sua tecnologia. “Adquirir know-how e as tecnologias de produção pelas quais as pequenas e médias empresas [PME] japonesas são conhecidas no mundo inteiro constitui umas das suas principais motivações”, confirma Tanaka Shigeaki, vice-presidente da representação em Xangai da Organização do Comércio Exterior Japonês (Jetro).

Este interesse não deixa de preocupar a opinião pública japonesa: ela não vê necessariamente com bons olhos a chegada das firmas chinesas que compram sociedades locais, uma vez que o Japão ainda é o principal provedor de auxílios públicos à China2. Principalmente porque Beijing ultrapassou Washington e se tornou o principal parceiro comercial de Tóquio3.

Tudo começou em 2001 quando Shanghai Electric - um grupo industrial que já possuía 300 empresas e empregava cerca de 210 mil pessoas - assumiu o controle da Akiyama, uma PME japonesa especializada em material de impressão. Salva da falência graças à chegada do capital chinês, a empresa, rebatizada "Akiyama International", viu suas atividades se multiplicarem notoriamente na China, onde o mercado da impressão está em pleno progresso. Três anos após sua entrada nos domínios da Shanghai Electric, a pequena empresa sediada num subúrbio de Tóquio conhece uma nova juventude: O número de assalariados passou de 79 a 160, o sistema de previdência foi mantido e os bônus, esquecidos por anos, voltaram a ser realidade.

Promover as empresas, em vez de enxugá-las

Os investimentos chineses são mínimos, diante dos bilhões aplicados pela Daimler ou Renault na Mitsubishi Motors ou Nissan. Mas, em quatro anos, o crescimento foi de 400 vezes

Se os empregados da Akiyama International mostram-se bastante satisfeitos com suas condições de trabalho, alguns espíritos descontentes questionam as motivações reais dos responsáveis pela Shanghai Electric. “Já houve transferência de tecnologia do Japão à China, mas não se tratava de tecnologia de ponta. Para obter estas últimas e desenvolver sua própria capacidade tecnológica”, sublinha M. Tanaka, “os empresários chineses compreenderam que era necessário comprar sociedades japonesas. E, para evitar uma repercussão indesejada, eles escolhem preferencialmente empresas doentes”.

A compra, em novembro de 2004, pela mesma Shanghai Electric, da sociedade Ikegai, fundada em 1889 e pioneira no setor das máquinas-ferramentas, é outra sinal do desejo chinês de se introduzir no mercado japonês para crescer do ponto de vista tecnológico. “Quando se fala de tomada de controle ou de investimentos financeiros, temos sempre em mente o modelo ocidental, que se traduz na maior parte das vezes em reestruturações”, explica, Zhang Chunnua, presidente da SEG Japan, filial nipônica da Shangai Electric. Ele continua: “Nossa abordagem é diferente. A China ainda é um país em vias de desenvolvimento. Por isso, privilegiamos o fortalecimento dos laços comerciais com as empresas que compramos – muito mais que o simples retorno do investimento. As máquinas-ferramenta e o material de impressão se integram perfeitamente na estratégia da nossa empresa, porque a China tem uma necessidade muito grande desse tipo de produto.

Segundo os especialistas, esta tendência deve se reforçar nos próximos anos, a despeito das tensões políticas e econômicas inevitáveis entre os dois países4. No espaço de quatro anos, os investimentos de empresas chinesas no Japão multiplicaram-se 400 vezes: de 260 mil dólares para quase 100 milhões. Mas há ainda uma gota dágua, comparada aos bilhões que empresas como Daimler ou Renault precisaram colocar em jogo para garantir participações importantes na Mitsubishi Motors ou Nissan5.

Tanaka, do Jetro, lembra que a chegada dos investidores ocidentais no mercado japonês, no meio dos anos 90, foi dolorosa; mas a opinião pública passou a aceitar sua presença. Deveria acontecer o mesmo, segundo ele, com os investidores chineses – ainda que muitos japoneses tenham horror à idéia de que a China possa um dia se tornar a potência econômica dominante na Ásia. O passado caótico das relações entre os dois países e as dificuldades políticas recentes alimentam a desconfiança nipônica. Os empresários chineses sabem disso, e fazem tudo para aliviar as suscetibilidades6. “Eu me lembro do responsável pela Câmara do Comércio de Xangai aconselhando a seus membros a evitar todo tipo de ato que pudesse ser mal interpretado pela população japonesa, a fim de que as fusões com as empresas locais se desenrolem da melhor maneira possível”, relata o número dois do Jetro em Xangai.

“Investimento não é humilhação”

Uma pesquisa publicada no Yomiuri Shimbun o principal jornal do país, ilustrou claramente a antipatia de parte dos japoneses em relação aos seus vizinhos chineses

Na primavera de 2003, quando o gigante chinês Sanjiu assumiu o controle de Toa, uma PME farmacêutica implantada em Toyama (litoral ocidental do Japão), as perspectivas otimistas de Tanaka pareceram se concretizar. Exposta a uma forte concorrência no mercado japonês, a Toa não dispunha dos meios necessários ao desenvolvimento se suas atividades – que eram, no entanto, conhecidas por sua sobrevivência duradoura. Sua aquisição pela Sanjiu, mais conhecida no ocidente sob a marca 999, foi vista como uma oportunidade: o grupo chinês dispõe de uma rede de mais de 10 mil lojas no continente, o que assegura uma distribuição mais fácil dos produtos Toa. É algo que pareceu cair do céu para a pequena sociedade japonesa, incapaz de se lançar sozinha na exploração de novos mercados. De sua parte, ao colocar a Toa sob a sua proteção, a Sanjiu obteve, a um bom preço, acesso ao mercado japonês, sedento da farmacopéia chinesa. “Evidentemente, o exemplo da Sanjiu mostra que cada um pode encontrar o seu lugar e que os investimentos chineses no Japão não devem ser percebidos como humilhação pelos japoneses”, explica um dos responsáveis por Toa.

Mas nem todos no arquipélago compartilham esse sentimento. Muitos são os japoneses que não gostam de ver Beijing se impôr sobre seu país. A presença temida das empresas chinesas que investem em imóveis em alguns bairros de Tóquio – enquanto os japoneses têm dificuldades em fazê-lo — contribui para reforçar o preconceito. Uma pesquisa publicada no Yomiuri Shimbun7, o principal jornal do país, ilustrou claramente a antipatia dos japoneses em relação aos seus vizinhos chineses. As recentes manifestações anti-japonesas na China certamente reforçaram suas reservas. O sucesso de um folhetim de Hirokane Kenshi8, cujo tema são as dificuldades que os homens de negócios chineses e japoneses têm para se entender, não contribuiu, é claro, para modificar o estado de espírito da opinião pública.

No entanto, a aproximação econômica entre os dois países parece inevitável, porque indispensável ao equilíbrio regional. Levando-se em conta seu passado comum, nenhum dos dois Estados pode aceitar a dominação do outro. O desenvolvimento de participações conjuntas ao nível das empresas pode parecer tão desejável quanto é possível que as paixões nacionalistas provoquem ferimentos difíceis de curar. “A multiplicação dos investimentos chineses no Japão é, a longo prazo, muito boa, porque os empresários chineses vão precisar assegurar a estabilidade das relações entre os dois países”, conclui Tanaka. Um discurso que certos visitantes do mercado eletrônico de Beijing, ao que parece, ainda não ouviram.

(Trad.: Patrícia Andrade)

1 - Leia dossiê sobre a projeção internacional do poder chinês na edição de outubro de 2004 de Le Monde Diplomatique-Brasil.
2 - Desde o início da ajuda pública japonesa, em 1979, Tóquio destinou àa China 23,894 bilhões de euros, segundo um relatório do ministério japonês de Negócios Estrangeiros, de junho de 2005.
3 - Jetro Sensor, revista da Jetro, maio de 2005.
4 - Mo Bangfu, Nichichûwa naze wakariaenainoka (“Por que o Japão e a China não podem se entender, Heibonsha, Tóquio, 2005.
5 - A empresa francesa empregou 5 bilhões de euros para abocanhar 36,8% do capital da Nissan, em 1999. Em março de 2002, ela controlava 44,4% da corporação japonesa.
6 - Uma sondagem feita pelo Zhongguo Qing-nianbao (“Diário da Juventude”), de Beijing, e publicada em 24/11/2004, indicou que 53,6% dos entrevistados tinham uma “boa opinião” sobre o Japão.
7 - De acordo com esta sondagem, publicada em 16/12/2004, 71% dos entrevistados afirmam “não confiar na China”. Outra pesquisa, publicada em 6/12/2004, pelo diário conservador Sankei Shimbun, de Tóquio, revelou que mais de 57% dos japoneses desejam que o país deixe de oferecer ajuda pública à China. 8Hirokane Kenshi, Jomu Shima Kosaku (“Shima Kosaku, o administrador”), publicado em folhetim em Shukan Morning (Ed. Kodansha, Tóquio) a partir de 17/2/05. Este folhetim, que conta as dificuldades de uma empresa japonesa ao se implantar na China, está a meio caminho entre realidade e ficção. Ele acompanha a evolução das relações entre os dois países. Os dois últimos episódios reagem às manifestações anti-japonesas que sacudiram a China na primavera (do hemisfério Norte) de 2005.




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