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Desde o final da I Guerra Mundial, inúmeras potências utilizaram-se dos curdos para abandoná-los na última hora. Nos anos 70, com ajuda norte-americana, israelense e iraniana, eles foram usados para enfraquecer o regime ba’athista
(01/04/2003)
A história se repete. Desde o final da I Guerra Mundial, inúmeras potências utilizaram-se dos curdos para abandoná-los à última hora. Na década de 70, no Iraque, ocorreu um episódio que merece ser relembrado. O partido Ba’ath tinha acabado de tomar o poder quando o dirigente histórico dos curdos iraquianos, Mustapha Barzani – pai de Massud Barzani, atual líder do Partido Democrático do Curdistão (PDK) –, lançou a velha reivindicação de seu povo. Vivia-se, então, em plena guerra fria e a aproximação entre Bagdá e a União Soviética preocupava Henry Kissinger e os Estados Unidos. A partir de 1972, os curdos passaram a receber uma ajuda financeira norte-americana e israelense, além de gozarem do apoio do xá do Irã. O relatório confidencial Pike, redigido pela CIA em 19751, explicava: ao apoiar o movimento de Mustapha Barzani, Washington – aliás, como Teerã – não pretendia a vitória dos rebeldes e, sim, manter “um nível de hostilidade suficientemente forte” para enfraquecer o regime ba’athista, dissuadindo-o de aventureirismos internacionais.
Por ocasião da guerra árabe-israelense de 1973, seguindo as orientações de conselheiros israelenses, os curdos estavam prestes a lançar uma ofensiva contra o exército iraquiano, mas Kissinger dissuadiu-os com firmeza e os peshmergas (guerrilheiros) obedeceram. Em março de 1974, também foi devido aos conselhos dos Estados Unidos e do Irã que Mustapha Barzani recusou um acordo proposto por Bagdá (um território autônomo bastante grande, em troca do fim da luta armada) e rejeitou uma oferta de mediação soviética2.
Alguns meses mais tarde, no dia 6 de março de 1975, Saddam Hussein e o xá do Irã assinaram um acordo em Argel: em troca da suspensão da ajuda de Teerã ao movimento rebelde de Mustapha Barzani, Bagdá aceitava que a fronteira Sul entre os dois países fosse fixada no estreito de Chat-Al-Arab. Sem a ajuda, da qual haviam se tornado totalmente dependentes, os autonomistas curdos sofreram uma derrota acachapante: 200 mil refugiaram-se no Irã. Questionado sobre as conseqüências de sua política, Kissinger respondeu: “Ações clandestinas não podem ser confundidas com obras missionárias3.” Vendidos ao poder iraniano em 1975, seriam os curdos entregues em sacrifício, em 2003, aos militares turcos?
(Trad.: Jô Amado)
1 - Divulgado, em grande parte, pelo jornal Village Voice, Nova York, 16 e 23 de fevereiro de 1976.
2 - Ler, de Hamit Bozarslan, La Question kurde, ed. Presses de Sciences Po, Paris, 1997.
3 - Ler, de William Blum, The CIA. The forgotten history, ed. Zed, Londres, 1986.