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ESTADOS UNIDOS

O império da cultura do ódio e dos delírios paranóicos

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Potência invasora no Iraque, os EUA se comportam como colonizadores, instaurando sua dominação sobre a humilhação dos autóctones, cuja origem está na cultura norte-americana voltada historicamente para a agressão e não para a conciliação social

Denis Duclos - (01/08/2003)

Esta violência extrema atinge todas as camadas da sociedade e se manifesta desde o início da história dos EUA, desde o primeiro minuto do desembarque de cada imigrante

Potência invasora no Iraque, os Estados Unidos não apostam no relativo modernismo laico da sociedade iraquiana para fortalecer seu prestígio civilizador. Ao contrário, “o governo” norte-americano liquida os corpos sócio-políticos ainda estáveis, assiste inerte às revoltas e ao caos, destrói as solidariedades econômicas e reprime as resistências. Em resumo, os invasores se comportam como colonizadores, instaurando sua dominação sobre a humilhação dos autóctones. A cultura norte-americana está voltada para a agressão e não para a conciliação social. Envolvidos há três séculos num turbilhão de duras lutas entre entidades sociais variadas, talvez os norte-americanos não saibam como fazer para criar o espaço da solidariedade entre eles de uma forma que não seja o ataque ao outro.

Em Gangs of New York, seu belo filme sobre os anos 1830, Martin Scorsese mostra que a violência norte-americana nunca se limitou à conquista do Far Westnem, com mais forte razão, a alguns episódios esporádicos, como a máfia durante a lei seca da década de 20, ou as rebeliões raciais da década de 60. Ela se manifesta muito cedo na história do país, desde o primeiro minuto do desembarque de cada imigrante. Esta violência imediata, extrema, sem fim, atinge, logo de cara, todas as camadas da sociedade. Agarra o pobre que chega, lançando-o em galpões hediondos onde se amontoa uma multidão que berra. Mas também o rico, que vê sua casa queimar por causa de uma briga insignificante. E ainda a população modesta, cujas habitações são bombardeadas pelos canhões do governo de Abraham Lincoln1 em represália às manifestações de rua. O recurso aos bombardeios civis já era uma técnica privilegiada da polícia social, nacional ou internacional!

Na verdade, a violência mortífera parece ligada aos novos mundos invadidos pela Europa nos últimos 500 anos. Mas parece renovar-se incessantemente a partir do ponto central que são os Estados Unidos, bem mais do que do Canadá ou mesmo da América Latina. A explicação do famoso documentarista Michael Moore, em seu apaixonante Bowling for Columbine2, incide menos sobre o número de armas possuídas por seus concidadãos do que sobre o clima de medo, de paranóia e de ódio recíproco alimentado pela mídia. Por que a mídia dos Estados Unidos (e não dos outros países) alimenta tal clima?

Uma cultura do confronto

A cultura “estadunidense” é, ontem como hoje, a de uma batalha contínua entre indivíduos e grupos, onde trata-se de confrontar o outro e vencer por todos os meios

Na realidade, é surpreendente o fato de ser impossível dizer-se “estadunidense” como se diz mexicano, canadense, ou quebequense ou brasileiro... E se a tendência intrínseca dos Estados Unidos à violência sob todas as suas formas tiver algo a ver com essa ausência voluntária de um nome coletivo? Esta falta não decorre, absolutamente, de um acaso ou de uma futilidade. Resulta da tentativa de alguns norte-americanos de ganharem sua independência em relação às pátrias européias através da multiplicidade das entidades políticas e culturais, e não por meio de uma busca de solidariedade identitária. Ora, tal vontade de multiplicidade foi repelida apenas superficialmente pelo pacto da Constituição de 1787, qualquer que seja sua perenidade. De modo que, depois da metade do século XVIII, reproduziu-se uma implacável tendência a lutar pela manutenção das diferenças internas e externas, bem como pelo mínimo possível de negociação das formas de solidariedade.

Na verdade, a cultura “estadunidense” é, ontem como hoje, a de uma batalha contínua entre indivíduos, grupos, comunidades, Igrejas, Estados, entre direitos e concepções cívicas etc. A contrapartida – aparentemente paradoxal - desta competição é sempre uma coalizão, isto é, um agrupamento de bandos, uma disciplina corporativa ou uma coligação militar de aliados sob a condução de um chefe e tendo um objetivo agressivo ou repressivo. Do mesmo modo que, há 160 anos, as “gangues” se reuniam, na grande rua dos subúrbios nova-iorquinos, para lutar até a morte e assegurar a hegemonia de um clã sobre os outros, trata-se ainda e sempre de enfrentar o outro em posição de força e de vencer por todos os meios.

Negação da noção de sociedade

A atitude vingativa norte-americana - que leva a tratar de modo desumano os prisioneiros afegãos (e não afegãos) em Guantánamo ou a atirar em mulheres e crianças de uma multidão em Bagdá - não é, portanto, apenas da esfera de uma lógica de grande potência desinibida que pretende impor sua lei ao mundo a qualquer preço. Está enraizada na história de uma concepção da vida em sociedade que é a negação da própria noção de sociedade. Se, a cada ano, mais de 10 mil pessoas morrem baleadas nos Estados Unidos (contra algumas dezenas no Canadá, no Reino Unido ou na França), isso se deve apenas aos meios de comunicação que agitam a angústia da segurança e decorre do fato de uma parte daquilo que funda a substância de uma sociedade nunca ter sido formada nesse país.

Esta explicação talvez não seja verdadeira de modo absoluto, mas constitui um fio condutor para a compreensão da violência essencial proveniente dos Estados Unidos, incluindo esse desejo obstinado de acertar as divergências internacionais pela ação ilegal e pelo massacre de civis.

Na raiz, o horror à idéia de Estado

O que distingue os EUA hiperindividualistas das nações americanas mais sensíveis às idéias da solidariedade social já se encontra na oposição de Jefferson ao Estado forte

À primeira vista, entre os Estados Unidos imaginados por um jurista como Thomas Jefferson3 republicano no sentido da Grécia antiga - e a realidade dos atos de soberania violenta, o contraste parece flagrante. Onde Jefferson queria criar uma nação pacífica e que se distinguisse de uma Europa “sempre em guerra”, construiu-se uma entidade guerreira em competição furiosa contra si mesma (guerra de secessão), contra seus próprios imigrantes forçados (escravos primeiro, depois trabalhadores livres) e contra seus primeiros ocupantes (extermínio programado de dezenas de milhões de índios). Ao longo dos tempos, os Estados Unidos praticaram, em relação aos outros países, o que Jefferson criticava nos franceses durante a época de Napoleão: tentar “impor aos vizinhos sua concepção pessoal de liberdade4”.

Contudo, o que distingue os Estados Unidos hiperindividualistas das outras nações americanas mais sensíveis às idéias da solidariedade social5 já se encontra na extrema fobia que caracteriza Jefferson em sua oposição ao Estado, considerado como um monstro imundo por natureza. Para Jefferson, o dever permanente de todo cidadão é opor-se à “longa seqüência de abuso e de usurpação, tendendo invariavelmente ao mesmo fim”, que “marca a intenção de submetê-lo ao despotismo absoluto”. Por certo, este despotismo é primeiramente o da execrada potência colonial inglesa, da qual é importante se libertar por meio de novas leis.

Paranóia e contradição

Mas o tom jeffersoniano é impregnado de uma entonação que um psiquiatra poderia facilmente classificar de delírio paranóico. Não teria esse governo despótico, segundo Jefferson, “enviado para este país enxames de novos empregados para […] devorarem sua substância?”, “para realizarem a obra de morte, de desolação e de tirania […] com características de crueldade e de perfídia das quais seria difícil encontrar exemplos nos séculos mais bárbaros?” Não foi ele que “recolheu aos quartéis grandes contingentes de tropas armadas a fim de protegê-las, por um procedimento ilusório, contra os castigos pelos assassinatos que teriam cometido na pessoa dos habitantes desses Estados?” Notemos que, por uma curiosa reviravolta, os dirigentes e os militares norte-americanos reivindicam dispor de uma proteção semelhante, excluindo-se das leis internacionais e da jurisdição penal mundial constituída pelo Tribunal Penal Internacional (TPI).

A inexistência de sistemas de solidariedade social no trabalho sempre permitiu índices de usura e acidentes no trabalho incomparáveis com outros países “civilizados”

Não se pode negar o caráter progressista das liberdades que o primeiro presidente dos Estados Unidos pretendia subtrair à autoridade “destruidora” do Estado: liberdades de pensamento e de expressão, de comércio, de religião, o direito à vida e à busca da felicidade, o direito de se expatriar, a garantia de não-retroatividade das leis, a recusa de prisão por dívidas, a franquia de qualquer obrigação perpétua, os direitos de comunicação entre mandantes e representantes, de comerciar com as nações vizinhas, de trabalhar para ganhar o pão, de se defender contra agressores e malfeitores, o habeas corpus etc. Mas também não se pode ignorar que o visceral ódio fundador em relação a qualquer Estado forte revelou-se, com o decorrer do tempo, contraditório em relação ao “dever sagrado de expulsar as paixões que nos dividem” 6.

Ausência de solidariedade nacional

A tentativa jeffersoniana nunca visou, além da independência, à construção de uma real solidariedade nacional baseada em princípios coletivos comuns. Ela consagrou antes uma trégua entre os aristocratas sulistas anglófilos e os democratas nortistas, eles próprios descendentes de exilados da guerra civil inglesa. Com mais forte razão, o projeto não dizia respeito às populações locais. O republicano tolerante Jefferson construiu sua carreira sobre uma aliança privilegiada – contra os burgueses da costa leste - com os colonos do interior em caça constante aos índios, “estes selvagens sem piedade, cujo modo bem conhecido de fazer a guerra é massacrar tudo, sem distinção de idade, de sexo, nem de condição”. A partir da metade do século seguinte, seriam oferecidos prêmios aos novos habitantes da Califórnia para abaterem os índios como se fossem animais nocivos.

Ao longo da história, as novas camadas dos que chegavam acabaram sempre por tentar fechar a porta aos seguintes (por leis de quotas relativas à própria comunidade nacional) ou submetendo-os a uma exploração exaustiva - rito de passagem transferindo o ódio do país de origem para o país de acolhida. O caráter punitivo é evidente: a inexistência de sistemas de solidariedade social no trabalho sempre permitiu, em todas as épocas, índices de acidentes e de usura no trabalho incomparáveis com os dos outros países “civilizados”.

Divisão sócio-espacial

Dos guetos negros aos bairros judeus, dos subúrbios hispânicos aos country clubs para bilionários, os Estados Unidos são o próprio símbolo da divisão sócio-espacial

Enfim, há pouco mais de 35 anos, os Estados Unidos ainda eram um país de apartheid oficial (como a África do Sul) em relação às pessoas “de cor”. Em nossos dias, a maioria das cidades, grandes ou pequenas, ainda conhecem fronteiras espaciais rígidas entre categorias sociais e entre grupos étnicos que recortam as primeiras. Dos guetos negros aos bairros judeus, dos subúrbios “latinos” ou hispânicos às “gated communities” (comunidades fechadas) e outros country clubs reservados aos bilionários, os Estados Unidos são o próprio símbolo da divisão sócio-espacial.

Do ideal wilsoniano7 de sociedade das nações ao projeto kennediano da “grande sociedade”, os políticos que dirigem “esta entidade múltipla e sem nome” sempre sonharam com um modelo de sociedade como se, de fato, este fosse...impossível. A vontade de Thomas W. Wilson de criar, em 1920, uma ordem democrática mundial não se realizou, e há quem pense que até contribuiu para desencadear a II Guerra Mundial. Mas ela acabou, como observa um comentarista8, por inspirar mais a construção européia atual do que os próprios Estados Unidos.

Volta ao macarthismo

Desde o 11 de setembro de 2001, o país vem sendo atormentado por um intenso endurecimento policial-militar. Para os partidários da guerra no Iraque, a união sagrada serve para a defesa patriótica do “ninho”; porém, para seus opositores, o conflito é apenas uma explosão xenófoba semelhante ao clássico populismo racista que sempre se exerceu no interior do país. Estarão errados? Um soldado norte-americano, entrevistado no dia 21 de março de 2003 pelo canal de televisão CNN, afirmou que queria “vingar-se no Iraque...dos atentados de 11 de setembro”. Ele divide com 55 % de seus concidadãos ouvidos numa pesquisa a convicção de que Saddam Hussein tem ligações com a Al Qaida e foi responsável pelo ataque contra o World Trade Center. Pode-se supor que, para muitos deles, esse amálgama ignorante se estende aos árabes em geral e acaba se parecendo com as fobias epidêmicas de épocas passadas: em relação aos índios dos Estados Unidos, aos negros ou aos asiáticos.

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De um lado, as milícias de patriotas ligadas às autoridades, como no período do macarthismo. Do outro lado, intelectuais, “multiculturais” e outros “traidores” potenciais

Este brutal desvio racista nos remete à pior – mas a mais constante - das tradições subjacentes da cultura norte-americana. Em caso de endurecimento, ter-se-ia, de um lado, a “gangue” das milícias de patriotas ligadas às autoridades, reatando com a mistura de terror oculto e de repressão policial sangrenta que marcou o período do macarthismo e, de outro lado, a tribo dos “intelectuais”, dos “multiculturais” e de outros “traidores” potenciais. Ora, como indica Michael Lind9, este antagonismo retoma - na própria geografia dos partidos políticos - os contornos da mais antiga fratura interior: sul colonial, antifeminista, homófobo e racista contra o norte puritano, laicizado, comunitário, liberal e universalista.

Bush e a tradição comunitária dos EUA

A noção de “coalizão” realmente parece representar o ideal da solidariedade leal na linguagem belicosa de um Georges W. Bush. Mas se sustenta, como constata Andrew J. Bacevitch10, apenas no âmbito de uma vontade “unipolar” de vitórias sucessivas sobre o mundo, que é uma tendência diretiva sem interrupções da diplomacia norte-americana há meio século. Este “pólo único” não é só aquele da “única potência mundial”. É também o do grupo que cerca o presidente, é aquele forjado por ele mesmo e que combina os atributos do chefe de guerra, do pontífice religioso e do dirigente popular carismático. Por conseqüência, os Estados Unidos da mídia e da sátira enfim encontraram um nome para si: o de Bushland, que evoca, através do patronímico presidencial, o caráter selvagem das florestas coloniais a serem desbravadas sem remorsos. Entretanto, um número muito grande de cidadãos dos Estados Unidos não se reconhece em tal nome: a Bushland não designa senão um clã que tomou o controle do país.

Criticou-se muito, e com razão, o caráter de seita doutrinária ou de facção do grupo de colaboradores próximos de Bush. Insistiu-se no fanatismo de cruzada de vários membros e na ligação estranha que ele mantém com os negócios lucrativos e especulações ligadas ao petróleo. Mas lembrou-se menos que esses traços caracterizam qualquer formação comunitária nos Estados Unidos nos últimos 300 anos: a entidade coletiva de base “estadunidense” é, com efeito, quase sempre um agrupamento que conserva, em sua ferrenha oposição a tudo o que a ela resiste, as características de um pelotão de vassalos, pequeno número de acólitos do sênior, que vive com ele e que cavalga para a glória acumulando saques e territórios ou morrendo durante a aventura.

Uma arena para combates entre feudos

Criticou-se muito o caráter de seita doutrinária do grupo de colaboradores de Bush. Mas ele está presente em qualquer formação comunitária nos EUA nos últimos 300 anos

Esta é a mensagem do romancista James Ellroy ao descrever a saga dos grupos em competição pela liderança nos Estados Unidos durante a trágica era Kennedy. Em seu famoso American Tabloid, vemos cada “instituição” - CIA, FBI, Presidência, sindicatos, comunidades étnicas, máfias, exército, grupos de patriotas, imprensa sensacionalista etc. - funcionar por si mesma e contra as outras através do combate de heróis sanguinários. O assassinato de John e depois de Robert Kennedy, o de Jim Hoffa (líder do sindicato mafioso dos Teamsters) e até a morte suspeita de Marilyn Monroe, o ataque contra Cuba em 1961, o começo da guerra no Vietnã etc., nos são apresentados como acontecimentos intimamente vinculados numa única dramaturgia: a da guerra dos bandos enobrecidos por sua ascensão social nos círculos do poder.

Se os detalhes inventados por Ellroy são míticos, o teor sociológico de seu relato é de uma veracidade espantosa: os Estados Unidos funcionam, da base ao ápice, como uma imensa arena de combate permanente de grupos quase familiares constituídos numa lógica feudal ainda não refreada por um aparelho central firme e podendo, no entanto, repetir-se de modo idêntico.

A lógica do combate de rua no plano internacional

A personalização do conflito é um traço inevitável de tal vassalização da vida política. Ainda aqui, tudo se passa como em Gangs of New York: o líder se impõe pessoalmente pela força e pela esperteza (como se viu nas inúmeras fraudes da última eleição presidencial) a um conjunto disparatado de bandos armados; em seguida tenta se manter até o fim numa posição fascinante de “macho Alfa”, para retomar a expressão dos primatólogos. Deve brandir sem parar a ameaça contra os seus e, sobretudo, mobilizar de novo o entusiasmo que os enfraquece, oferecendo-lhes como vítima um concorrente infeliz que é “demonizado” para a ocasião.

Os EUA funcionam como uma imensa arena de combate permanente de grupos quase familiares constituídos numa lógica feudal ainda não refreada por um aparelho central

Contrariamente ao que supõem comentaristas deslumbrados pela estratégia norte-americana, Slobodan Milosevic, Osama bin Laden ou Saddam Hussein não foram erigidos inimigos “número um” graças a uma doutrina polemológica científica. Representam as figuras necessárias ao desafio lançado pelo candidato mais forte à chefia permanente, em uma lógica de combate de rua. Também permitem ocultar a minuciosa preparação da disputa que, na realidade, não dará nenhuma chance ao “competidor estratégico”. O “Estado delinqüente”, por exemplo, que supostamente deteria armas de destruição em massa, não passa de uma pequena nação incapaz de representar a mínima ameaça séria ao poderoso pretendente ao controle do setor. Incessantemente bombardeado há dez anos, espionado por especialistas e desmantelado por um longo embargo, o país seria dado para saciar o desejo do grupo dominante e de seu “padrinho”, implacavelmente - e teatralmente - rancoroso.

“Estado delinqüente”

Só um observador um tanto protegido da ira do “guru-guerreiro” poderia, então, demonstrar que a noção de “Estado delinqüente”, melhor que qualquer outra expressão, designa a própria prática do chefe da gangue atacante, que manipula seu próprio Estado na busca de realizar seu projeto de dominação. Aliás, os numerosos opositores à política do presidente Bush expressaram isso com freqüência, através da fórmula “é a guerra do presidente, não a do país”.

Mas a “coalizão” guerreira não visa apenas a unir as opiniões e as energias em torno de um personagem, numa demonstração de força incontestável e reiterada. Também tem por objetivo substituir qualquer idéia de verdadeira solidariedade. Ela se impõe em detrimento dos mecanismos legítimos da ONU - fazendo-a aparecer, por meio de um contraste inesperado, numa perspectiva de Estado-Mundo que nunca tinha tido antes - e ocupa todo o espaço imaginário que a idéia de solidariedade social poderia preencher.

Depois das cenas pavorosas da guerra, foi possível ver, nos dias que se seguiram à “vitória”, imagens de simpáticas e generosas patrulhas norte-americanas multiétnicas no Iraque. Georges W. Bush esperava colher os frutos do sucesso “aliado”… num momento em que a situação social e econômica da sociedade “estadunidense” não parava de se agravar: 3 milhões de empregos suprimidos desde a eleição presidencial (contestada), dos quais 200 mil só em Nova York, a capital financeira.

Desestruturando o bem-estar social

Enquanto a parada marcial continua, o governo Bush desestruturou tudo o que ainda podia lembrar a responsabilidade pública do Estado no bem-estar dos cidadãos

Enquanto a parada marcial continua, o governo Bush não tentou restaurar a prosperidade econômica por meio de medidas apropriadas. Muito pelo contrário. Reduziu os impostos em benefício quase exclusivo da renda mais alta (1% que se beneficia de 43% das restituições). Desestruturou tudo o que ainda podia lembrar a responsabilidade pública do Estado no bem-estar dos cidadãos. Reduziu em 86% o programa comunitário de acesso à assistência médica (que organizava a cooperação entre hospitais públicos e privados para ajudar os doentes que não têm seguro de saúde). Diminuiu em 700 milhões de dólares a recuperação das moradias sociais, em 60 milhões de dólares o programa de habitação da fundação de ajuda à infância, em várias centenas de milhões de dólares o fundo destinado à guarda das crianças filhas de pessoas de baixa renda durante o horário de trabalho. Proibiu qualquer contribuição federal às organizações de planejamento familiar favoráveis à interrupção voluntária da gravidez.

Pouco mais preocupado com a cultura comum, o governo cortou 200 milhões de dólares do treinamento para desempregados, suprimiu um programa de alfabetização para as famílias pobres. Cortou 39 milhões de dólares das bibliotecas federais e 35 milhões de dólares do treinamento em medicina pediátrica... Nomeou, para os cargos de proteção ao meio ambiente, inimigos declarados do meio ambiente, como ocorreu com a direção da Environmental Protection Agency (EPA, a Agência de Proteção ao Meio Ambiente), entregue a uma dirigente da transnacional Monsanto, a qual, imediatamente, reduziu seu orçamento em meio bilhão de dólares. Abriu os parques nacionais à exploração florestal e para perfurações. Aboliu as leis que permitem ao Estado federal recusar contratos com empresas poluidoras e perigosas para seus trabalhadores e eliminou uma série de diretrizes de proteção nesse domínio. Vendeu em leilão terrenos de marinha da Flórida, liberou terras protegidas no Alasca, diminuiu em 50% o orçamento da pesquisa sobre energias renováveis e em 28% o orçamento das pesquisas sobre veículos menos poluidores.

A suspensão da solidariedade

A hegemonia norte-americana tem como reverso exatamente um empreendimento sistemático de “suspensão da solidariedade” cuja ilustração foi a ação dos EUA no Iraque

No plano internacional, encontra-se a mesma recusa obstinada de qualquer solidariedade: o governo Bush se negou a assinar o acordo de Kyoto sobre o efeito estufa, traiu suas promessas de regular as emissões de dióxido de carbono e conseguiu rejeitar o regulamento que reduz os níveis “aceitáveis” de arsênico na água potável. Finalmente, voltou atrás em seu compromisso de investir 100 milhões de dólares por ano na proteção das florestas tropicais.

Em poucas palavras, a hegemonia norte-americana sobre o mundo tem como reverso exatamente um empreendimento sistemático de “suspensão da solidariedade”. No fundo e dentre outras coisas, o comportamento de Washington no Iraque é apenas uma ilustração disso. Sua vitória - há muito tempo conquistada através de hábil mistura de corrupção dos líderes bah’athistas e da intimidação preventiva das tropas de elite - transforma-se numa demonstração de superpotência à custa de bombardeios mortíferos de bairros populosos e de ruas de comércio. Depois o invasor organiza e instala o caos duradouro. Uma imagem fica na memória dos telespectadores: a fisionomia indiferente dos fuzileiros navais robotizados no pior momento dos saques em Bagdá. Desse modo, quase não há melhor metáfora que o Iraque ocupado para expressar a repugnância do cidadão “estadunidense” em relação à mínima evocação da solidariedade e sua paixão por recriar – exatamente como nos próprios meios urbanos dos Estados Unidos onde reina a miséria - um cenário devastado de terceiro mundo, habitado por um outro vencido, humilhado, nunca reerguido. Como se se tratasse de transmitir interminavelmente o ódio.

(Trad.: Iraci D. Poleti)

1 - Abraham Lincoln (1809-1865), republicano e antiescravagista.
2 - Colombine é a escola de Littleton onde dois rapazes massacraram 14 alunos, no dia 20 de abril de 1999, dia do aniversário de Adolfo Hitler.
3 - Terceiro presidente dos Estados Unidos, em 1801.
4 - Carta a James Monroe, de 11 de junho de 1823.
5 - O apelo do presidente brasileiro, Luís Inácio Lula da Silva, para se criar um programa mundial contra a fome é um exemplo dessa sensibilidade diferente.
6 - Carta a Richard Rush, de 20 de outubro de 1820 (enviado à Inglaterra por quase oito anos, Rush aí negociou um número importante de tratados).
7 - Thomas Woodrow Wilson (1856-1924), partidário de um sistema de segurança coletiva e da Sociedade das Nações.
8 - Johann Hari, “A disputed Legacy”, Times Literary Supplement, Denville, 28 de março de 2003, p. 14 e 15.
9 - Entrevista, “Les conservateurs au pouvoir ne représentent pas l’Amérique”, Libération, Paris, 4 de maio de 2003.
10 - American Empire, the realities and consequences of US diplomacy, Harvard University Press, 2003.




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