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Vistos pelos EUA como inimigos, apesar de terem cedido às suas pressões, dirigentes iranianos dão uma guinada em sua política externa levando em conta a importância assumida pela resistência iraquiana no cenário regional
- (01/03/2004)
Os dirigentes iranianos tiveram que proceder a uma revisão geral de sua política externa e de sua estratégia. As decisões tomadas foram tanto mais difíceis quanto repletas de conseqüências para o país, além de criarem atritos entre os três principais centros de poder, cujas divergências ou compromissos são determinantes para a política iraniana: o aiatolá Khamenei, guia supremo da Revolução e constantemente assessorado pelo Conselho de Guardiões da Revolução, o aiatolá Khatami, presidente da República, e o ex-presidente Ali Rafsandjani, atual responsável pelo Conselho de Verificação do Direito Islâmico.
Porém, diante da ameaça – considerada, por todos eles, altamente provável, senão inevitável – de ataques aéreos norte-americanos contra as instalações nucleares iranianas e contra os centros científicos, técnicos e industriais que também ali se encontravam, foi feito um acordo, como se sabe, em favor de um diálogo com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA): ela poderia inspecionar as instalações nucleares do país e os trabalhos de enriquecimento de urânio, embora não proibidos pelo Tratado de Não Proliferação, seriam interrompidos1.
Posteriormente, ficou demonstrado que, embora uma ameaça iminente e direta tivesse sido afastada, o governo norte-americano continuava considerando o Irã um país inimigo. O tom empregado em seus comentários sobre a decisão iraniana continuou sendo abertamente hostil. O regime de Teerã foi publicamente colocado sob a suspeita de que iria querer engabelar as futuras inspeções da AIEA e, à primeira oportunidade, iria retomar os trabalhos de enriquecimento de urânio. E nada permitia prever uma diminuição da tensão entre os dois países. Decorre daí a decisão dos dirigentes iranianos de promoverem uma nova mudança em sua política, mas, desta vez, no Iraque.
Também sobre essa questão, as discussões foram acirradas entre os dirigentes iranianos. Para alguns deles, deveriam ser evitados novos riscos de um confronto com os Estados Unidos, justamente quando, para impedir um risco maior, tinham acabado de ceder à sua exigência sobre as questões nucleares. Para outros, no entanto, deveria ser reconhecido que os Estados Unidos e o Irã estavam, definitivamente, em campos opostos e, em conseqüência disso, deveriam se opor da maneira mais firme possível à penetração norte-americana na região e, mais concretamente, ao cerco do território iraniano por um contingente militar já estabelecido no Golfo, no Paquistão, no Afeganistão, na Ásia Central e, agora, no Iraque. A isso deve-se acrescentar a posição de uma corrente mais radical existente dentro da direção iraniana, e que aceitou com dificuldade as concessões feitas à AIEA – e, portanto, indiretamente aos Estados Unidos – e que avalia que é indispensável, a partir de agora, reagir em outros termos.
Daí, a importante guinada que se começa a perceber no comportamento da política externa iraniana em relação ao Iraque. Essa mudança decorre, antes de tudo, de uma constatação: a Resistência iraquiana passou a representar um dado importante na região, ela não irá cessar, dispõe, decisivamente, de um apoio muito grande no país e, omitir-se nessa questão levaria o Irã a ser, em pouco tempo, marginalizado da atual luta no “teatro de operações” iraquiano. Conseqüentemente, não seria mais possível à direção política iraniana prosseguir com a estratégia adotada até o outono do ano passado, visando à instauração de um poder nacional único no Iraque sem procurar estabelecer uma República islâmica – que provocaria divisões na comunidade xiita e a oposição das outras comunidades – e com o objetivo exclusivo de precipitar a saída das tropas norte-americanas. Decidiu-se, então, distribuir algumas tarefas.
Enquanto, no Conselho Provisório de governo, Abdelaziz el-Hakim, sempre muito próximo das posições de Teerã, continua reivindicando eleições com sufrágio universal em todo o país, mantendo-se no terreno da resistência política, o braço armado dos movimentos pró-iranianos recebe equipamento e reforços que lhe permitirão avaliar melhor o futuro rumo dos acontecimentos. Além do mais, uma rivalidade cada vez mais explícita – chegando a concretizar-se em enfrentamentos concretos – opõe esses movimentos à corrente inspirada pelo aiatolá Sistani. E, por fim, seriam feitos contatos com outras vertentes da Resistência iraquiana, tanto com a comunidade xiita, quanto com outras.
Esse jogo duplo implica certos riscos e a direção política iraniana tem consciência disso. Foi por essa razão que ela quis manter até o presente, por iniciativa própria e através de todos os meios de comunicação políticos e oficiosos, uma linguagem mais moderada em relação aos acontecimentos iraquianos. No entanto, uma observação in loco permite pensar que a direção política iraniana se dotou de meios de agir que poderá vir a utilizar, nesse “teatro de operações”, como um freio ou um acelerador, de acordo com as circunstâncias e seus interesses.
(Trad.: Jô Amado)
1 - Ler “Menace iranienne, menace sur l’Iran”, Le Monde diplomatique, outubro de 2003