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No inicio de maio, em Ramallah1 , jovens músicos palestinos deram um Concerto sob a direção do Daniel Barenboïm. Ao receber um prêmio no parlamento israelense, o maestro - que fundou, com Edward Said uma escola para os jovens músicos, judeus e árabes do Oriente Médio - explicou que o ato queria expressar as esperanças de paz
- (01/06/2004)
Em 1952, ainda criança com dez anos, vim com meus pais da Argentina para Israel, quatro anos depois da Declaração de Independência. Esta Declaração representava uma fonte de inspiração que nos levava a acreditar nos ideais que nos transformariam de judeus em israelenses.
Ela expressava um compromisso: "O Estado de Israel (...) desenvolverá o país em beneficio de todos seus habitantes; seus fundamentos serão os princípios de liberdade, de justiça e de paz ensinados pelos profetas de Israel; ele irá assegurar uma total igualdade de direitos sociais e políticos a todos os cidadãos, sem distinção de crença, raça ou sexo; garantirá a plena liberdade de consciência, de culto, educação e cultura".
Os pais fundadores do Estado de Israel que assinaram a Declaração de Independência se comprometeram também a estender "a mão para a paz e viver como bons vizinhos com todos os Estados que nos rodeiam e com seus povos".
Hoje, me pergunto com uma dor profunda: podemos, apesar de todas nossas conquistas, ignorar a distancia intolerável entre aquilo que a Declaração da Independência prometeu e aquilo que realizou, a distancia entre a idéia e a realidade de Israel? O fato de ocuparmos territórios e dominarmos um outro povo é compatível com a Declaração de Independência? A independência tem algum sentido se ela é exercida as custas dos direitos fundamentais do outro? O povo judeu cuja história é repleta de contínuos sofrimentos e permanentes perseguições, pode se permitir ser indiferente aos direitos e ao sofrimento de um povo vizinho?
O Estado de Israel pode buscar o sonho irrealista de um fim ideológico do conflito em vez de procurar uma solução pragmática e humanitária, baseada na justiça social?
Apesar de todas as dificuldades, objetivas e subjetivas, eu creio que o futuro de Israel e seu lugar entre as nações esclarecidas dependerão de nossa capacidade de cumprir a promessa de nossos pais fundadores dentro dos cânones contidos na Declaração da Independência. Sempre achei que não havia – moralmente nem estrategicamente - uma solução militar para o conflito judeu- árabe. E como é inevitável que se encontre uma solução, pergunto: por que esperar?
Por essa razão, fundei, com meu saudoso amigo Edward Said, uma escola para os jovens músicos, judeus e árabes de todos os países do Oriente Médio2.
Se, por um lado, enquanto arte, a música não possa fazer concessões aos seus princípios e por outro lado, a política seja a arte do compromisso, a música pode apesar disso reencontrar a política quando essa transcende os limites da existência presente e atinge as altas esferas do possível.
A música é a arte da imaginação por excelência, uma arte livre de todos os limites impostos pelas palavras, uma arte que toca o mais profundo da existência humana, uma arte de sons que atravessam todas as fronteiras. E como tal, a música pode levar os sentimentos e a imaginação dos israelenses e dos palestinos para novas e inimagináveis esferas. É por isso que decidi dar meu prêmio para projetos de educação musical em Israel e Ramallah.
(Trad.: Celeste Marcondes)
1 - “A Maestro who fights against loud noise and silence”, Hearetz, 10 de maio de 2004.
2 - Edward Said, Daniel Barenboim, Parallèles & paradoxes, Editora Le serpent à Plumes, Pariss, 2003.