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A “lei anti-secessão”, que autoriza Pequim a “utilizar meio não pacíficos” contra Taiwan, caso as autoridades da ilha optem pela independência, aprofunda a tensão no Estreito de Formosa e entre suas potências regionais: a China e o Japão
- (01/04/2005)
Subitamente, as preocupações internacionais voltam-se para o Estreito de Formosa. Acirrou-se a tensão a partir do dia 14 de março, quando o parlamento chinês aprovou uma “lei anti-secessão” que, pela primeira vez, autoriza Pequim a “utilizar meios não-pacíficos” contra Taiwan caso as autoridades da ilha optem – “seja por que meio for” – pela independência.
Na véspera, vestindo uma jaqueta militar e após ter sido eleito chefe da Comissão Militar Central, o presidente Hu Jintao, que também é secretário-geral do Partido Comunista, convocara os oficiais a se “prepararem para um conflito armado1”. Uma declaração levada a sério, principalmente porque o orçamento militar foi aumentado em 12,6%...
O presidente de Taiwan, Chen Shui-bian, cujo partido é simpatizante do movimento pró-independência e que, alguns dias antes, ameaçara promulgar uma lei antianexação, qualificou o texto votado em Pequim como uma “lei que autoriza a guerra”. Os Estados Unidos também manifestaram sua preocupação: “Esta lei anti-secessão é infeliz”, declarou Scott McClellan, porta-voz da Casa Branca. “Não contribui para a paz nem para a segurança na região do Estreito de Formosa. (...) Nós nos opomos a qualquer modificação unilateral do statu quo2.” Opinião que foi transmitida ao presidente Hu Jintao pela secretária de Estado, Condoleezza Rice, por ocasião de sua visita a Pequim no último dia 21 de março.
Desde 1972, Washington reconhece uma única China e considera que Taiwan faz parte dela. Porém, em 1979, o Congresso aprovou, por unanimidade, uma resolução que obriga os Estados Unidos a garantirem a segurança da ilha... E a recente nomeação de John Bolton, defensor implacável da independência de Taiwan e ex-conselheiro junto ao governo de Taipé, para o cargo de embaixador dos Estados Unidos na ONU não oferece qualquer garantia às autoridades de Pequim.
O Japão também expressou sua preocupação devido aos “efeitos negativos dessa lei para com a paz e a estabilidade da região”. A tensão entre as duas grandes potências regionais aumentou nos últimos meses. Em fevereiro, Tóquio anunciou que suas tropas haviam tomado o controle de um farol situado no arquipélago inabitado de Senkaku, reivindicado por Pequim, que o chama Diaoyu. A China qualificou a decisão de “grave provocação, (...) totalmente inaceitável3”. O arquipélago fica numa rica zona de pesca onde também estão situadas importantes jazidas de petróleo.
Para exercer um contrapeso à China no cenário internacional, os Estados Unidos passaram a apoiar a principal reivindicação diplomática do Japão: a obtenção de um lugar permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Em fevereiro de 2005, Tóquio e Washington assinaram um comunicado conjunto – que pode ser qualificado como histórico – segundo o qual os dois países propõem, como “objetivo estratégico comum”, trabalhar pela “resolução pacífica das questões envolvendo o Estreito de Formosa4”. Esta é a primeira vez, desde 1945, que o Japão abandona a posição de neutralidade em relação a Taiwan.
As autoridades de Pequim continuam convencidas de que o governo Bush vem adotando uma autêntica política de contenção da China, com o Japão no papel de aliado de uma fidelidade canina – ou de “Grã-Bretanha da Ásia”... Os chineses avaliam que Washington incentiva o rearmamento japonês, multiplicando suas bases militares em torno da China (no Quirguistão, no Tadjiquistão, no Afeganistão e no Uzbequistão) e reforçando seus vínculos militares com a Índia, o Sri Lanka, a Malásia, Cingapura e a Tailândia.
Mas o jogo não é tão simples. No plano econômico, Washington precisa muitíssimo da China, que recicla boa parte de seus famosos excedentes em divisas adquirindo obrigações do Tesouro norte-americano e também financia, indiretamente, o déficit orçamentário dos Estados Unidos5. Além do mais, Washington tem uma necessidade imperiosa de Pequim enquanto intermediário nas negociações com a Coréia do Norte, no sentido de levar o regime de Pyongyang a renunciar a suas armas nucleares.
Os chineses quiseram lembrar ao mundo que a unidade da nação é mais importante que qualquer outra coisa, e que a separação de Taiwan constituiria um casus belli Pequim está consciente de seus trunfos. E também de sua nova condição de potência internacional cada vez mais ameaçadora. Foi por isso que o primeiro-ministro chinês, Wen Jiabao, advertiu: “Resolver a questão de Taiwan é um assunto estritamente interno e esperamos que não venham a ocorrer interferências estrangeiras.” E acrescentou bem devagar: “Mas as interferências estrangeiras não nos metem medo6.”
A tensão existente na região já tem repercussão até na Europa. A adoção da “lei anti-secessão” contra Taiwan já implicou no adiamento da revogação do boicote europeu à venda de armas a Pequim. Revogação que era particularmente reivindicada pela França e pela Alemanha.
Muito preocupada em manter uma estabilidade internacional que lhe permita prosseguir em sua irresistível escalada em potência e lhe garanta uma organização tranqüila dos Jogos Olímpicos de 2008, a China sabe até onde pode ir e onde deve parar. Porém, num contexto interno em que se intensifica a contestação social, as autoridades quiseram lembrar ao mundo que a unidade da nação é mais importante que qualquer outra coisa, e que a separação de Taiwan constituiria, pura e simplesmente, um casus belli.
(Trad.: Jô Amado)
1 - Le Monde, 15 de março de 2005.
2 - Despacho da agência Reuters, 14 de março de 2005. Ver o site: www.taiwandc.org/reuters-200...
3 - El País, Madri, 18 de março de 2005.
4 - Ler, de Yong Xue, “Is the empire striking back?”, International Herald Tribune, 17 de março de 2005.
5 - Ler, de Ibrahim Warde, “Le sort du dollar se joue à Péquin”, Le Monde diplomatique, março de 2005.
6 - International Herald Tribune, 15 de março de 2005.