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PETRÓLEO II

Caos e ira nos campos da Nigéria

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Na Nigéria multiplicam-se, junto com os lucros das transnacionais petrolíferas, a revolta social e os bandos armados

Jean Christophe Servant - (01/04/2006)

Na capital do estado de Bayelsa, um dos maiores produtores de petróleo, mais de 70% da população vive com menos de um dólar por dia

O acontecimento revela bem os costumes políticos da Nigéria, primeira potência petrolífera da África [1]. Em 21 de novembro de 2005, o governador do estado de Bayelsa - um dos seis estados produtores de petróleo do país [2] - reaparece em suas terras após ter fugido da Inglaterra. Um dos homens mais poderosos do delta do rio Níger, Diepreye Alamieyeseigha, havia sido detido quando de passagem pelo aeroporto Heathrow, em Londres, graças às informações fornecidas pela Comissão Nigeriana de Luta contra Crimes Econômicos e Financeiros (EFCC). Suspeito de lavagem de dinheiro, em um volume que pode chegar a 11 milhões de euros, Alamieyeseigha, membro do Partido Democrático do Povo (PDP), do governo, funcionário com remuneração oficial de 1.000 euros mensais, havia sido preso em Brixton, e tido seu passaporte confiscado. Posto em liberdade após pagar a fiança e proibido de sair do território, o governador do estado que produz 25% do petróleo nigeriano fugiu, no entanto, do Reino Unido com um passaporte falso.

Extorsão de dinheiro público teria permitido a Alamieyeseigha adquirir uma refinaria de petróleo no Equador, como também várias residências fora da Nigéria. Contudo, de volta da Inglaterra, é acolhido com entusiasmo por seus administrados - que não têm nenhuma dúvida de que o governador é vítima de um complô "neocolonial" organizado por Londres, com o apoio da administração nigeriana. De fato, com a aproximação das eleições presidenciais de 2007, o governador do estado de Olusegun Obasanjo procuraria afastar os homens políticos que, tal como Alamieyeseigha, são próximos do seu vice-presidente e concorrente Atiku Abubakar. A "rua" Iljaw, quarta etnia do país, considera simplesmente que o governador é vítima de seu posicionamento a favor do ressource control: medida segundo a qual 50% da arrecadação proveniente do petróleo seriam reservados aos estados produtores do delta do Níger, contra os 13% previstos pela Constituição nacional. É neste sentido que Alamieyeseigha foi acolhido como "herói" ao retornar a Yenagoa, a capital do estado de Bayelsa, onde mais de 70% da população vive com menos de um dólar por dia.

Shell, Chevron, Agip, Total são empresas que se beneficiam de um dos melhores retornos do investimento global

Lucro recorde

É verdade que mais de dez anos após a execução por enforcamento do escritor Ken Saro Wiwa, que se opunha à ditadura petro-militar de Sani Abacha [3], a população procura novos campeões. Contrariamente a seus antepassados, os "heróis" atuais do delta são personagens obscuros, no limite do ativismo político e do banditismo econômico. É o caso de El-hadj Dokubo Asari, chefe do Niger Delta People’s Volunteer Force (NDPVF) - Forças Populares e Voluntárias do Delta do Níger -, preso em outubro de 2005 por ter atentado contra a segurança do Estado. Este homem de 40 anos, filho de pais ilustres, que se tornou conhecido no início da década de 1990 nos violentos campi do delta, é emblemático do desvio de uma juventude ociosa e não-pertencente a nenhuma classe, que vê escapar-lhe os benefícios da economia petroleira. Militante Iljaw, ele dirigiu uma milícia armada, batendo-se pelo aparelho local do Partido do Povo (PDP), o partido do poder. Decepcionado com seu "protetor", o governador do estado de Rivers, Peter Odili, ele passa então a exortar a ação violenta e exprime opiniões separatistas, ao mesmo tempo em que se entrega ao contrabando de petróleo. Quando da eleição presidencial de 2003, explica um observador, "muitas gangues do delta foram utilizadas para intimidar a oposição, mas quando se dá uma arma a alguém, torna-se impossível tomá-la de volta. Resultado: uma vez ganha a eleição, estes homens recaíram na criminalidade sob o pretexto de que haviam sido traídos".

Os confrontos entre milícias causam vítimas regularmente. Além disso, bandos armados, como o NDPVF, multiplicam os ataques contra as companhias - Shell, Chevron, Agip, Total etc. -, que, como todas as empresas estrangeiras na Nigéria, se beneficiam de um dos melhores retornos do investimento global. Assim, como um Estado dentro do Estado produzindo 43% do petróleo bruto nigeriano, a Shell Petroleum Development Company of Nigeria (SPDCN) perde diariamente 10% de sua produção por motivo de sabotagem. Em 18 de fevereiro de 2006, o Movimento para a Emancipação do Delta da Nigéria (MEND) seqüestrou nove funcionários estrangeiros que trabalhavam para uma subsidiária da Shell. Libertando seis de seus reféns no dia 1º de março, o MEND decidiu intensificar seus ataques anunciando, no dia 5 do mesmo mês, que "doravante não procurará mais seqüestrar: atirará para matar" [4].

O Exército nigeriano dirige regularmente operações brutais de represália contra as quadrilhas. Em novembro de 1999, em Odi, região Ijaw, a repressão após o assassinato de doze policiais provocou a morte de uma centena de civis. Em 2003, diante dos levantes do NDPVF, o governo lançou a operação Restore Hope (operação Restaurar Esperança) — evocando a operação homônima dos Estados Unidos na Somália que se revelou um fiasco —, deixando uma centena de vítimas na região do Port Hacourt. A fim de proteger suas jazidas, as empresas, que também recorrem a companhias de segurança privadas, não hesitam em apoiar estas intervenções.

O mundo do petróleo, após sete anos de democrazy, apressa-se mais do que nunca rumo ao país costeiro do "golfo próximo"

Democracia e loucura

Deste modo, a Chevron Nigéria, filial da Chevron Texaco, braço americana das importações do petróleo nigeriano, emprestou seu terminal petrolífero de Escravos - e seus helicópteros - para que Abuja pudesse conduzir ataques aéreos às comunidades hostis à companhia. Além disso, as firmas não hesitam, do mesmo modo, em instrumentalizar as rivalidades locais. Assim, a Chevron fez da comunidade dos Itsekiri, rival ancestral dos Ijaw desde a época do tráfico de escravos, a principal beneficiária de seus programas de desenvolvimento.

Certamente que o mundo do petróleo, após sete anos de democrazy - democracia e loucura -, apressa-se mais do que nunca rumo a um país costeiro do "golfo próximo" [5], o Golfo da Guiné. A nova jazida offshore de Bonga deveria permitir à Nigéria produzir 4 milhões de barris de petróleo bruto por dia até 2010. Luta contra a corrupção, "transparência", respeito pelo meio ambiente, tais são as palavras de ordem das autoridades civis que sucederam o exército em 1999. Trata-se de ganhar a luta pelo "bolo nacional" que teria feito "evaporar" 50 bilhões de petrodólares dos 350 bilhões arrecadados desde a independência. Contudo, o apadrinhamento continua a caracterizar o comportamento dos governadores no delta.

O Sudeste da Nigéria tornou-se o centro de um "novo triângulo comercial", aquele do petróleo bruto e dos petrodólares, com efeitos humanos tão desastrosos como fora antigamente, na mesma região, o tráfico de escravos. Numa região corrompida por uma economia a base de pensões [6], a crise política que afeta o estado de Bayelsa é particularmente simbólica. Este estado não é somente o coração da região Ijaw, como também um lugar histórico de onde foram extraídos, em março de 1956, os primeiros barris de petróleo nigeriano pra a companhia britânica Shell. É também o bastião das revoltas sociais e políticas do delta [7] que poderiam perturbar as eleições presidenciais de 2007.

Hoje a situação é pior que em 1995: mais violência, mais gangues, milícias melhor armadas, mais corrupção

Violência e miséria

Contudo, graças ao aumento do preço do petróleo bruto, o estado de Bayelsa beneficiou-se em 2005 de um orçamento recorde de 470 milhões de euros, contra 252 milhões em 2003. Mas 7 milhões - dos quais 1,6 milhão dedicado à decoração -, serviram para terminar a construção de duas residências oficiais. Esta quantia soma-se aos 21 milhões de euros já gastos com a mesma finalidade desde 2002. Em 2005, o estado de Bayelsa anunciou que somente 19.330 euros seriam destinados a um Comitê para a Erradicação da Pobreza, cujas atividades ninguém conhece até agora.

Segundo os relatórios publicados por ocasião dos dez anos da execução de Ken Saro Wiwa, a situação no delta do Níger "é pior que em 1995: mais violência, mais gangues e milícias melhor armadas. Mais corrupção ainda na concessão e comercialização de petróleo e gás". [8] Contam-se em média mil mortes violentas por ano em uma região transformada em uma zona obscura similar à Tchetchênia ou Colômbia. Existem igualmente vítimas indiretas desta economia: em Bayelsa, no ano passado, o coquetel tóxico lançado pelas tocheiras - já declaradas ilegais pela justiça nigeriana em novembro de 2005 - provocou 5 mil casos de doenças respiratórias e mais de 120 mil crises de asma [9]. Para escapar à poluição que afeta a cadeia alimentar, milhões de refugiados ecológicos deixam o coração do delta para unir-se aos guetos explosivos do Port Harcourt ou àquele mais longe de Ajegunle, em Lagos, capital econômica do país.

Em cartazes destinados a convencer a opinião pública de suas boas práticas, a SPDCN, filial nigeriana da Shell, que representa 15% da produção global da matriz, declara dedicar 60 milhões de dólares por ano a projetos de desenvolvimento. Mas para Marc Antoine de Monclos, do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD), "é necessário saber ler as entrelinhas dos números, levando em conta que as companhias petrolíferas negam o acesso de seus arquivos aos pesquisadores e não respondem a questões demasiado sensíveis. Dos 60 milhões de dólares que a Shell diz ter concedido a projetos de desenvolvimento em 2002, mais de 33 milhões foram destinados à construção de estradas que serviam também para as operações de exploração. Em um outro conto-do-vigário por escrito, a Shell declara ter gasto mais de 513 milhõs de dólares a favor do meio ambiente entre 1996 e 2000. Ora, a maior parte desta soma, 282 milhões de dólares, foi na realidade destinada à canalização de tocheiras, queimando a céu aberto, inscrita no programa do grande canteiro de comercialização de gás natural da Nigéria [10]".

O povo do delta sabe que o petróleo gera uma enorme riqueza da qual ele não aproveita praticamente nada

Situação explosiva

A tragicomédia do governador de Yenagoa teria durado quase um mês. Destituído pela maioria de membros da assembléia de seu estado, Alamieyeseigha foi preso em 9 de dezembro de 2005. A partir de então, a administração federal sonha em expulsá-lo para Londres. Mas as associações Ijaw permanecem divididas entre exasperação e resignação. Com um aumento inquietante da circulação de armas leves, o incêndio é latente: desde janeiro, apareceram novos movimentos separatistas armados, tais como o Movimento Rebelde Ijaw para a Emancipação do Delta do Níger, que exige a libertação do governador destituído e de Dokubo Asari. Estes grupos multiplicaram os ataques contra as companhias e os seqüestros de funcionários estrangeiros. O que deveria ser o último mandato de Obasanjo - a Constituição poderia ser revisada para lhe assegurar um terceiro mandato - corre o risco de acabar justamente onde começou em 1999, sobre a questão do petróleo. "O ambiente é particularmente inconstante no estado de Bayelsa e poderia inflamar-se, caso acontecesse alguma coisa com Alamieyeseigha ou Asari", confirma o jornalista britânico Andy Rowell. "Mas não se deve esquecer que estes problemas são primeiramente a conseqüência do prosseguimento da exploração do delta por interesses britânicos e americanos. Será interessante ver qual será a atitude de seus governos nas próximas eleições".

Para o deputado trabalhista britânico John Robertson, presidente do All-Party Parliamentary Group on the Niger Delta (Grupo Parlamentar de Todos os Partidos do Delta do Níger), com quem Andy Rowel visitou a região em outubro de 2005, a situação é explosiva: "O povo do delta sabe que o petróleo gera uma enorme riqueza da qual ele não aproveita praticamente nada. (...) Esta combinação não só nega a boa governança, como também cria ressentimentos - tanto em relação às empresas que criam esta riqueza como em relação aos chefes de comunidades acusados de conluio com elas. Tanto que pessoas pouco escrupulosas utilizam as queixas da população para empreender ações que colocam em perigo até mesmo as próprias fontes desta riqueza. [11]" E Robertson se pergunta: "Se houver uma revolução na Nigéria, quais serão suas conseqüências para a África?".

(Trad.: Simone Pereira Gonçalves)



[1] 35 bilhões de barris de reserva resultantes do petróleo bruto e cerca de 100 000 bilhões de m3 de gás.

[2] A Nigéria é uma federação de 36 estados.

[3] Escritor e dramaturgo nigeriano, Ken Saro Wiwa, funda em 1990 o Movimento para a Sobrevivência do Povo Ogoni (MOSOP), que denuncia ao mesmo tempo o governo da Nigéria e a devastação ecológica da Shell na região Ogoni. Após o assassinato, por seus partidários, de quatro dirigentes políticos tradicionais ogoni, Ken Saro Wiwa foi condenado à morte pela ditadura do general Sani Abacha e enforcado juntamente com outros oito membros do MOSOP, em 10 de novembro de 1995, em Port Harcourt.

[4] AFP (Agence France-Presse, agência mundial de informação), 5 de março de 2006.

[5] Ler Andy Rowell, James Mariott e Lorne Stockman, The Next Gulf. London, Washington and oil conflict in Nigeria, Ed. Costable, Londres, 2005. Ler "Offensive sur l’or noir africain" (Ofensiva sobre o Ouro Negro Africano), Le Monde diplomatique, janeiro de 2003.

[6] The next Gulf, op. cit

[7] Em fevereiro de 1966, Isaac Adaka Boro, Ijaw originário das cercanias do poço n° 1 de Oloibori, chefe da Delta Volunteer Service, começa uma breve luta armada contra o estado central, após ter criado a República do Delta do Níger. Detido, ele se alia às forças federais durante a guerra da Biafra, morrendo misteriosamente em 1967.

[8] Africa Confidencial, Londres, 18 de novembro de 2005.

[9] http://www.climatelaw.org/cases

[10] Ler: "Pétrole et sécurité privée au Nigeria: un complexe multiforme à l’epreuve du syndrome de Monaco" (Petróleo e Segurança Privada na Nigéria: um complexo multiforme à prova da síndrome de Mônaco) http://www.conflits.org/document.ph...

[11] Este relatório, a que tivemos acesso, não foi publicado.


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