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Colômbia: as vozes da guerra

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Decretado pelo presidente Uribe, fim das negociações para troca de reféns revela: tanto governo quanto as FARC sabotaram a paz, porque vêem nas armas sua fonte de legitimidade e poder. Desfecho ressalta papel da sociedade civil no fim do conflito e na construção de nova democracia

Jaime Zuluaga Neto - (26/11/2007)

De forma surpreendente, apesar de não inesperada, o presidente colombiano Álvaro Uribe deu por terminada a facilitação da senadora Piedad Córdoba e a mediação do presidente Hugo Chávez em relação ao eventual acordo de troca humanitária que permitiria a liberação de soldados, policiais e dirigentes políticos que as FARC seqüestraram ou tomaram como reféns. O que há por trás desta decisão, depois de semanas de um esforço que, apesar de não efetivar a libertação dos prisioneiros, foi capaz de produzir fatos positivos, que encorajaram a esperança de sua eventual libertação?

Os acordos de troca humanitária não são uma novidade no conflito colombiano. As guerrilhas recorreram ao seqüestro como instrumento de luta política e negociaram, em diversos momentos, a liberação dos seqüestrados em contrapartida de certas decisões por parte do governo. Basta recordar que, em 1970, o Exército de Libertação Nacional (ELN) seqüestrou o ex-ministro Fernando Lodoño e o libertou em troca de uma interrupção de ações militares em Caldas. Em sua época, o movimento M19 fez do seqüestro uma arma de ação política para obrigar os governos a adotar determinadas decisões. A tomada da embaixada da República Dominicana, em fevereiro de 1980, foi talvez a mais ressonante de suas ações. Em meio à vigência do Estatuto de Segurança, à sombra do qual se produziu uma grave crise de direitos humanos, devido às arbitrariedades das forças do Estado, o M19 obrigou o governo do presidente Turbay Ayala a negociar com o grupo guerrilheiro. Mas tratava-se de trocas para libertar pessoas seqüestradas ou tomadas como reféns com fins políticos. Prática comum dos grupos insurgentes em suas guerras.

Contudo, nas últimas décadas, o seqüestro foi utilizado pelas guerrilhas colombianas como uma de suas fontes de financiamento. Isso desencadeou uma onda de seqüestros sem precedentes. As FARC inventaram as "pescas milagrosas", que consistiam em cometer este crime de lesa-humanidade de forma coletiva, e por meios atrozes. Os seqüestrados com fins econômicos não são objeto de propostas de troca humanitária. Sua libertação está condicionada ao pagamento de resgates. Por isso, quando se fala de troca, tais pessoas são tácita ou expressamente excluídas. Os seqüestrados "negociáveis" são os militares, policiais e dirigentes políticos.

Quando a captura de reféns deixa de ser parte do jogo político e se converte num negócio lucrativo

Em 1997, a direção plenária das FARC decidiu recorrer — por meio das "pescas milagrosas" e outros tipos de ações — à captura ou seqüestro de soldados e policiais em combate, para trocá-los por guerrilheiros presos pelo Estado. Desde então, afirmaram a necessidade do que chamam "troca de prisioneiros de guerra". Nas negociações com o governo do presidente Andrés Pastrana, propuseram inclusive a criação de uma Lei de Troca, que deveria ser negociada em uma mesa especial à frente da qual estava o líder máximo do grupo, Manuel Marulanda Véles. Isso revela a importância que as FARC atribuem ao tema. A partir dessa posição, negociaram com o presidente Ernesto Samper, em maio de 1997, a liberação de várias dezenas de policiais e soldados, em troca da criação de uma zona desmilitarizada em Cartagena do Chairá.

Posteriormente, no marco das negociações de paz com o governo de Pastrana, acordaram a liberação de 15 guerrilheiros doentes por 42 policiais e soldados também doentes. Dias depois, as FARC libertaram mais de cem policiais e soldados. Nesse caso, não foi realizado o intercâmbio como "troca de prisioneiros de guerra", mas sim um acordo de natureza humanitária, que criou um precedente importante, ignorado pelo atual governo. Em tais movimentos, um dos interesses das FARC é serem reconhecidas como força beligerante por meio da troca de prisioneiros de guerra. Entretanto, não alcançaram o objetivo, já que o intercâmbio, na forma em que se desenvolveu, não implica o reconhecimento do status de beligerância.

Em tais precedentes, tem sido claro que a liberação dos seqüestrados (soldados, policiais ou dirigentes políticos) foi um fato político em que o aspecto humanitário teve importância secundária. As pessoas em cativeiro serviram como instrumento de negociação política, tanto para as FARC como para o governo. Desde então, toda a ação humanitária tem conteúdos e efeitos políticos. Até agora, o político subordinou o humanitário e é isso o que segue prevalecendo. O fundamental para as partes é tirar vantagens do inimigo por meio do chamado "acordo humanitário". Parte do esforço a ser feito é conseguir inverter tal relação, fazendo com que o humanitário prevaleça sobre o político.

Diante da pressão internacional, o governo aceita a intermediação de facilitadores internacionais

A ruptura das negociações entre o governo nacional e as FARC e o triunfo eleitoral de Álvaro Uribe Vélez modificaram substancialmente o contexto político para uma possível troca. O presidente condicionou-a a um processo de paz e as FARC, à criação de zonas desmilitarizadas. Entretanto, esses "pré-requisitos" iniciais foram modificados. As pressões nacionais e internacionais levaram o presidente a aceitar a possibilidade de um acordo para a libertação dos seqüestrados, à margem de um processo de paz. Já as FARC reduziram suas pretensões de desocupação aos municípios de Pradera e Flórida.

Posteriormente, tanto as FARC como o governo mudaram suas posições. O governo disse estar disposto a libertar guerrilheiros processados ou indiciados por rebelião, com a condição de que não voltem às armas e se comprometam com a construção pacífica do país. Por sua parte, as FARC não aceitam as condições e exigem negociar em território nacional, sem intermediários, por meio de seus porta-vozes e os do governo. Às dificuldades para o acordo humanitário, que derivam das duas posições contrapostas, somaram-se três adicionais: a captura e extradição aos Estados Unidos de dois membros das FARC — Ricardo Palmera (Simon Trinidad) como Anayibe Rojas (Sonia); as tentativas de resgate militar em execução da estratégia de guerra do governo; e a captura, por parte das FARC, de três contrabandistas norte-americanos que foram incluídos no grupo dos chamados "negociáveis" — formados por policiais, militares e dirigentes políticos.

Durante o governo do presidente Uribe, as pressões nacionais e internacionais a favor do acordo de troca aumentaram, e foi o governo quem finalmente aceitou a presença de facilitadores internacionais. Primeiro, por meio do grupo de países formados pela França, Espanha e Suíça, que propuseram uma zona situada nos municípios de Pradera e Florida para o encontro entre o governo e as FARC. Essa proposta foi aceita publicamente pelo governo e descartada pelas FARC, sob alegação de que o presidente a utilizava demagogicamente na sua campanha para a reeleição. Desde agosto passado, o governo reabriu as portas para a facilitação internacional, ao aceitar a proposta formulada pela senadora Piedad Córdoba, para acionar o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em funções de facilitação e mediação.

Apesar do impasse final, ganhos reais ao longo do processo de mediação e tentativa de acordo

Se em algo coincidem quase todos os analistas, em relação à possibilidade de um acordo para a libertação das pessoas seqüestradas pelas FARC, é em reconhecer que não existem obstáculos jurídicos para sua concretização. O que tem faltado é a decisão política — tanto por parte do governo como das FARC. Ao contrário do que recorrentemente afirma o presidente, um acordo não afetaria a política da "Segurança Democrática", nem desmoralizaria as forças estatais. Pelo contrário, fortaleceria sua moral, ao revelar governantes dispostos a fazer o necessário para garantir sua liberdade, em caso de serem seqüestrados ou capturados em combate. E ganharia o apoio de amplos setores da sociedade, que não entendem por que o governo não faz politicamente o necessário para conseguir a libertação dos seqüestrados, e esgota seus esforços em tentativas de resgate militar que terminam tragicamente. Já as FARC se beneficiariam pelo reconhecimento que ganhariam, nacional e internacionalmente, ao deixar em liberdade vítimas de um crime de lesa-humanidade. Se algo foi conquistado, nesses anos de luta pelo acordo humanitário, é a crescente condenação de tal comportamento criminoso.

Nesse contexto, surge a mediação do presidente Chávez e criam-se condições excepcionalmente favoráveis para avançar até o acordo de troca. As FARC recebem a senadora Piedad Córdoba, aceitando na prática sua gestão facilitadora, e deslocam-se para Caracas. Renunciam à exigência de negociar o acordo em território nacional e exclusivamente com os porta-vozes do governo. Por sua parte, o governo assume uma posição de abertura política e lança uma mensagem forte, no sentido de colocar a gestão do possível acordo em mãos de dirigentes distantes de sua posição ideológica e política.

A facilitação e mediação produziram resultados positivos. Conseguiram concretizar o reinício das conversas entre o governo nacional e o ELN, evento previsto para o fim de dezembro. E avançaram na apresentação de propostas entre o governo e as FARC, voltadas para a troca e um eventual diálogo, em que liberação dos seqüestrados se articularia com o início de conversações de paz, no território nacional e com acompanhamento internacional. Entretanto, as partes mantêm alguns de seus pré-requisitos: o governo nega-se a desocupar parte do território nacional para as negociações do acordo; e as FARC exigem a desocupação de Pradera e Florida. Mas é claro que essas são apostas quase iniciais para a negociação, sujeitas a eventuais modificações.

Entretanto, converteram-se, simbolicamente, em "pedras no sapato" dos facilitadores. Ainda assim, a facilitação da senadora Piedad Córdoba e a mediação do presidente Chávez avançaram positivamente. Conseguiram que o ELN e o governo nacional se aproximassem novamente, definindo uma nova rodada de diálogo para dezembro e serviram como meio de intercâmbio de propostas entre o presidente Uribe e as FARC, para um futuro encontro sobre o acordo de troca e uma possível negociação de paz. Daí que se resulte deplorável a decisão do presidente Uribe, de dar por terminada esta gestão em razão de o mandatário venezuelano ter estabelecido comunicação direta com o general colombiano Mario Montoya.

Problemas muito mais profundos que a ação espalhafatosa e inábil de Chávez

O que há por trás dessa desisão precipitada e infeliz do presidente Uribe? Devo dizer que acabou por se impor a falta de vontade política para o acordo de troca. Mais que o estilo peculiar do presidente Chávez para desenvolver uma mediação — da falta da discrição, indispensável em um processo tão complexo — pesou o fato de as partes não colaborarem.

As FARC jogaram mais uma vez para ganhar espaço político sem fazer concessões significativas. Não responderam positivamente à libertação de Rodrigo Granda, [1] não apresentaram as provas de sobrevivência dos seqüestrados e foram incapazes de responder à gestão internacional com a liberação de alguns dos seqüestrados. Assim como fizeram durante as negociações em São Vicente de Caguán, jogaram para ganhar posições políticas, utilizando os seqüestrados como uma mercadoria em leilão.

Já o governo foi incapaz de entender que, em uma negociação dessa natureza, é preciso fazer concessões e admitir que a outra parte ganhe posições políticas que não são ameaça para a estabilidade institucional, nem vão inclinar a balança da guerra contra o Estado colombiano. O governo não fez os esforços necessários para facilitar o trabalho do facilitador. São prova disso o fato de haver negado salvo-condutos aos delegados das FARC para seu deslocamento a Caracas, ter fixado um limite de tempo à facilitação quando essa já avançava. E, com o pretexto de um telefonema do presidente Chávez a um general do exército colombiano — que não devia ter sido feito — cedeu ante as pressões que desqualificavam desde o início os facilitadores, ou encontrou um argumento para sair de um processo que se tornava incômodo. De novo impôs-se a lógica da guerra e primaram os interesses políticos sobre as urgências humanitárias. Com a suspensão da mediação venezuelana ganham, pelo momento, os partidários da guerra.

Manter erguida a bandeira da paz. Impedir a ação dos que só vêem saída numa vitória militar

As vozes da guerra ouvem-se de novo. Do lado do governo, reclamam terem sido generosas e fazerem tudo o possível pela troca, dizendo que com os terroristas das FARC não é possível a negociação e que, em conseqüência, o que tem sentido é a guerra para derrota-los. E as FARC seguramente reiterarão que os gestos do governo foram um estratagema para colocá-las em defensiva política. Alegam, inclusive, que nunca houve verdadeira vontade negociadora.

Em tal situação, é indispensável não desandar o caminhado. O diálogo tem que ser retomado no ponto em que foram interrompidas a facilitação da senadora Córdoba e a mediação do presidente Chávez. Ou seja, é preciso retomar as conversas no exterior, com acompanhamento internacional, e concretizar o encontro entre os porta-vozes das FARC e o governo, para negociar os termos da troca. O acompanhamento internacional deveria comprometer a França, os governos latino-americanos que apoiaram essa gestão e os Estados Unidos, que abriram uma janela de expectativas significativas ante a possível liberação dos três cidadãos norte-americanos.

As iniciativas de paz, as organizações da sociedade — desde as empresariais até as populares —, os partidos e os movimentos políticos, unidos em uma só voz com os familiares dos seqüestrados, devem manter erguida a bandeira dos acordos humanitários e da solução política negociada e fechar o caminho aos amigos da guerra — que ainda sonham com a vitória militar dos grupos insurgentes ou das forças estatais.

Tradução: Gabriela Leite Martins
gabrielaleite89@gmail.com

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[1] Considerado o "ministro das Relações Exteriores das FARC", Granda foi preso em Caracas, em dezembro de 2004, numa operação ilegal comandada pelo exército colombiano e executada por militares venezuelanos que agiram à revelia de seus superiores. Em 5 de junho de 2007, o governo de Bogotá o libertou, no âmbito das negociações para a "troca humanitária" (Nota da edição brasileira)

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