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DOSSIÊ IRAQUE

O outro lado dos Estados Unidos

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Num mundo dominado pelo tacão implacável de uma potência com poderes ilimitados, é urgente que se conheça sua dinâmica interna, para identificar suas profundas contradições e os que estão fora de seu coro patriótico embrutecedor

Edward W. Said - (01/03/2003)

Os dirigentes e políticos árabes – assessorados por pessoas formadas nos EUA – têm uma visão completamente fictícia da realidade norte-americana

Uma notinha publicada pelos jornais no início de fevereiro revelava que o príncipe Walid Ibn Talal doara dez milhões de dólares à Universidade Americana do Cairo para a criação de um departamento de Estudos Americanos. Esse mesmo jovem bilionário saudita já contribuíra, sem que lhe fosse solicitado, com dez milhões de dólares para a cidade de Nova York, após os atentados de 11 de setembro de 2001. Na carta que acompanhou essa contribuição, ele dizia que se tratava de uma homenagem à cidade, mas também sugeria que talvez os Estados Unidos devessem repensar sua política em relação ao Oriente Médio, uma referência a seu apoio incondicional a Israel, assim como à sua atitude de difamação – ou, pelo menos, de falta de respeito – para com o islamismo.

Num acesso de raiva, o então prefeito de Nova York (cidade cuja comunidade judaica é a maior do mundo), Rudolph Giuliani, devolveu o cheque ao príncipe, sem qualquer cerimônia, num gesto de desprezo que se poderia qualificar de racista, insultuoso e de regozijo com a desgraça alheia. Em nome de uma determinada imagem de Nova York, ele, pessoalmente, preservaria a coragem já demonstrada pela cidade e sua resistência a qualquer ingerência externa. Tudo isso enquanto adulava, naturalmente, um eleitorado judeu supostamente unânime, ao invés de procurar educá-lo.

Visão fictícia da realidade

Esse comportamento grosseiro é semelhante à sua recusa, em 1995, dois anos após a assinatura dos acordos de Oslo, em aceitar a presença de Yasser Arafat na Philharmonic Hall num concerto para o qual haviam sido convidadas todas as pessoas presentes às Nações Unidas. Característica de um jogo sujo e sensacionalista, típico dos políticos mais medíocres das grandes cidades norte-americanas, a atitude do prefeito de Nova York para com o jovem príncipe saudita era previsível. Embora o dinheiro se destinasse, e fosse necessário, a uma cidade ferida por uma atrocidade terrível, o sistema político e seus principais atores colocam Israel em primeiro lugar.

É verdade que os EUA são o país dos McDonald’s, dos jeans e da Coca-Cola, mas devemos compreender os processos culturais e sociais que os produzem

Ninguém sabe qual teria sido a reação da comunidade judaica se ele não tivesse devolvido o dinheiro, pois Giuliani teve a presença de espírito de se antecipar à mobilização da engrenagem – bastante bem lubrificada, por sinal – do lobby pró-israelense. Como salientou a célebre escritora e ensaísta Joan Didon num artigo publicado pelo New York Review of Books1, um dos princípios básicos da política externa norte-americana, que vem dos tempos do presidente Roosevelt, defende o apoio, simultâneo e contra qualquer lógica, à monarquia saudita e ao Estado de Israel. A tal ponto, diz a escritora, “que somos incapazes de questionar seja o que for que possa prejudicar nossas relações com o atual governo de Israel”.

O episódio descrito talvez possa confirmar a visão completamente fictícia que dirigentes e políticos árabes – muitas vezes assessorados por pessoas formadas nos Estados Unidos – têm da realidade norte-americana. Visão, é bom frisar, a partir da qual definem a política de seus próprios países. Essa concepção nada tem de coerente; gira em torno da idéia de que, no fundo, “os norte-americanos” decidem tudo, embora numa avaliação pormenorizada se perceba que, nesse leque amplo, e até intrincado, permeiam opiniões variadas – que vão da idéia de que os Estados Unidos não passam de uma conspiração judaica à convicção de que são uma fonte inesgotável de inocência, de bondade e de compaixão para com os oprimidos, ou ainda a de que são governados de A a Z a partir da Casa Branca, pela figura olímpica de um homem branco incontestado.

As relações colonizador-colonizado

Durante os vinte anos em que me relacionei com Yasser Arafat, tentei explicar-lhe, por várias vezes, que os Estados Unidos são uma sociedade complexa, com uma infinidade de correntes, de interesses, de pressões e de histórias específicas e que estava longe de ser dirigida como a Síria, por exemplo, que representava um modelo de poder e de autoridade diferente, que merecia ser estudado. Procurei um amigo, já falecido, Eqbal Ahmad, profundo conhecedor da sociedade norte-americana e que talvez tenha sido o melhor teórico e historiador dos movimentos de libertação nacional. Queria que ele e outros especialistas conversassem com Arafat, com o objetivo de desenvolver um modelo mais sutil que os palestinos pudessem utilizar por ocasião de seus contatos preliminares com o governo norte-americano, no final da década de 80. Em vão.

Sem os protestos que explodiram por toda parte, essa guerra não passaria de uma ação de dominação, grosseira e cínica, sem qualquer oposição

Eqbal Ahmad estudara as relações entre a Frente Nacional de Libertação [argelina] e a França durante a guerra de 1954 a 1962, assim como a forma pela qual os norte-vietnamitas haviam negociado com Henry Kissinger na década de 70. Havia um contraste estarrecedor entre o conhecimento preciso, detalhado, que a FLN e os vietnamitas tinham da sociedade metropolitana, e o conhecimento quase caricatural que os palestinos tinham dos Estados Unidos (principalmente baseado no ouvi dizer e numa leitura superficial da revista Time). Arafat só sonhava com uma coisa: ser pessoalmente convidado à Casa Branca para conversar diretamente com aquele Branco dos Brancos, William Clinton. Na sua visão, isso equivalia aos tête-à-tête que ele tinha com o egípcio Hosni Mubarak ou com o sírio Hafez Al-Assad.

A urgência de conhecer o império

Enquanto aguardava, Clinton se revelou criatura e senhor da política externa norte-americana: conseguiu enrolar os palestinos graças a seu charme e suas manobras habilidosas. E eles pagaram o preço sem, no entanto, terem modificado sua visão dos Estados Unidos. No que se refere à resistência, a fazer política num mundo em que sobrou apenas uma única superpotência vitoriosa, as coisas estão como estavam há mais de cinqüenta anos. A maioria das pessoas ergue os braços aos céus, como amantes decepcionados: os Estados Unidos não têm jeito, dizem.

A outra faceta desta história, mais promissora, diz respeito à nova estratégia do príncipe Walid, que financia o centro de pesquisas. Tenho conhecimento de que, com exceção de alguns cursos e seminários sobre literatura e política norte-americana dispersos pelas universidades do mundo árabe, jamais existiu algo que se parecesse com um centro universitário destinado à análise sistemática e científica dos Estados Unidos, de seu povo, de sua sociedade, de sua história. Nem mesmo em instituições como as Universidades Americanas do Cairo e de Beirute.No entanto, num mundo dominado pelo tacão implacável de uma grande potência com poderes ilimitados, é urgente que se conheça sua agitada dinâmica interna. O que inclui um bom domínio do idioma, coisa que pouquíssimos dirigentes árabes têm. Sim, é verdade que os Estados Unidos são o país dos McDonald’s, de Hollywood, dos jeans, da Coca-Cola e da CNN, produtos de exportação que se encontram pelo mundo inteiro graças à globalização e ao que parece ser a sede insaciável de todo mundo por bens de consumo fácil e cômodo. Mas também devemos compreender de onde isso vem e como, no final das contas, interpretar os processos culturais e sociais que o produzem. Porque saltam aos olhos os perigos de pensar os Estados Unidos de maneira muito simplista, estática e restrita.

A ausência de perspectiva histórica

É necessário compreender os Estados Unidos para melhor intervir e resistir a este país – que não é o monólito de que tanto se fala

Pelo mundo afora, países reticentes dobram a espinha em submissão aos Estados Unidos que se preparam para uma guerra profundamente impopular contra o Iraque (ou, nos casos da Itália e da Espanha, se aliam a eles por puro oportunismo). Sem as maciças manifestações e protestos que explodiram por toda parte, principalmente no dia 15 de fevereiro, essa guerra não passaria de uma mera ação de dominação, grosseira e cínica, sem qualquer oposição. O fato de ser contestada por tanta gente na Europa, na Ásia, na África, na América Latina, mas também na América do Norte, mostra que, finalmente, estamos em vias de compreender que os Estados Unidos – ou, pelo menos, o punhado de homens brancos judeo-cristãos que ocupa o poder – estão determinados a exercer sua hegemonia sobre o planeta. E então, que fazer?

Gostaria de propor um esboço do extraordinário panorama oferecido pelos Estados Unidos dos tempos de hoje, tal como pode ser observado por um cidadão norte-americano, que sou, mas que, devido à sua origem palestina, mantém a perspectiva de um estrangeiro. Gostaria de sugerir maneiras de compreender os Estados Unidos para melhor intervir e, se a situação mundial o permitir, resistir a este país – que não é o monólito de que tanto se fala.

Se cada império tem suas originalidades e afirma sua determinação em não repetir as ambições superdimensionadas dos que o precederam, os Estados Unidos o fazem em nome de seu sacrossanto altruísmo e de sua inocência bem-intencionada. Em apoio a essa ilusão alarmante, mobilizou-se um batalhão de intelectuais com um passado mais ou menos de esquerda, que se destacaram por sua oposição a outras aventuras militares. Atualmente estão dispostos a defender a noção de um império virtuoso em vários níveis – do patriotismo demagógico ao cinismo hipócrita. Os acontecimentos do 11 de setembro desempenharam um papel nessa reviravolta. No entanto, os atentados contra as Torres Gêmeas e o Pentágono – por mais assustadores que tenham sido – são tratados como se não viessem de lugar algum, ao invés de um mundo para além dos mares, enlouquecido pelas intervenções e pela presença militar norte-americanas. Não há como justificar o terrorismo islâmico, odioso em todas as suas formas, mas deve-se notar que qualquer perspectiva histórica ou senso de proporção desapareceram por completo das análises ortodoxas da ação norte-americana contra o Afeganistão e, agora, contra o Iraque.

Religião profética e missão apocalíptica

Atualmente, o governo Bush está disposto a defender a noção de um império virtuoso em vários níveis – do patriotismo demagógico ao cinismo hipócrita

Nas intervenções que esses falcões “de esquerda” fazem na mídia, o grande ausente continua sendo a direita cristã (tão semelhante aos extremistas islâmicos em seu fervor e nas pretensões à virtude), cuja influência nos Estados Unidos é maciça, e até decisiva. Baseada principalmente no Antigo Testamento, sua visão do mundo é bastante próxima da do judaísmo. Uma das curiosidades da aliança entre os influentes neoconservadores norte-americanos que apóiam Israel e os extremistas cristãos é que estes incentivam o sionismo na medida em que este propõe que todos os judeus se reúnam na Terra Santa para a segunda vinda do Messias. Nessa ocasião, os judeus deverão converter-se ao cristianismo ou serão aniquilados. Raramente são mencionadas essas teleologias sangrentas e violentamente anti-semitas – pelo menos não o são entre os judeus pró-israelenses.

Os Estados Unidos são o país que reivindica mais explicitamente a condição religiosa. As referências a Deus impregnam a vida da nação – das moedas e das repartições públicas às expressões de linguagem como In God we trust, God’s country, God Bless América etc. O alicerce de poder de George W. Bush é composto por cerca de 60 a 70 milhões de homens e mulheres que, como ele, pensam ter encontrado Jesus Cristo e acreditam estar sobre a terra para cumprir a obra de Deus, no país de Deus. Alguns sociólogos (entre os quais, Francis Fukuyama) e jornalistas acreditam que a religiosidade dos Estados Unidos contemporâneos decorre de uma aspiração comunitária e da busca nostálgica por um sentimento de estabilidade, já que cerca de 20% da população muda constantemente de emprego e de domicílio. Isso é apenas parte da verdade. O mais importante é estarmos diante de uma religião de iluminação profética, da convicção inquebrantável numa missão apocalíptica sem qualquer relação com a realidade dos fatos ou suas implicações. Outro fator é a enorme distância geográfica que separa o país de um mundo turbulento, assim como o fato de que o Canadá e o México são vizinhos de dimensões continentais, pouco capazes de moderar o entusiasmo norte-americano.

“Acertar as contas com Saddam”

Toda essa ideologia converge para o fato de que os Estados Unidos representam a retidão, a bondade, a liberdade, um futuro econômico promissor e o avanço social. Essas idéias estão de tal forma arraigadas à vida, que não parecem ideológicas e, sim, fatos “naturais”. Os Estados Unidos são o símbolo do Bem, da Lealdade e do Amor perfeitos. E também a incondicional veneração dos pais fundadores, assim como da Constituição – um documento fantástico, é verdade, mas humano, apesar disso. Os primeiros tempos dos Estados Unidos representam a âncora da autenticidade norte-americana.

Em nenhum outro país do mundo, a bandeira desempenha semelhante papel de ícone central. Está por toda parte: nos táxis, na lapela dos casacos, nas vitrinas e no telhado das casas. É a principal encarnação da nação, simbolizando uma heróica resistência e o angustiante sentimento de se ver cercado por inimigos indignos. O patriotismo é a principal virtude, ligado à religião e à idéia de estar fazendo a coisa certa, não somente em seu país, mas em qualquer lugar do mundo. O patriotismo também pode fazer parte das atividades de consumo, como se viu quando pediram às pessoas – após os atentados de 11 de setembro – que fizessem bastantes compras como forma de desafiar aqueles terroristas malvados.

Os Estados Unidos são o país que reivindica mais explicitamente a condição religiosa. As referências a Deus impregnam a vida da nação

Bush e seus empregados – Donald Rumsfeld, Colin Powell, John Ashcroft e Condoleezza Rice – foram fundo em toda essa parafernália para mobilizar as forças armadas rumo a uma guerra distante, com o objetivo de “acertar as contas” com Saddam, como este passou a ser conhecido. Subjacente a tudo isso está a engrenagem do capitalismo, em vias de passar por mudanças radicais e desestabilizadoras. A economista Julie Schor provou que os norte-americanos trabalham mais do que há trinta anos e, em termos relativos, ganham menos2. No entanto, ainda não existe uma contestação política séria e sistemática dos dogmas da “livre iniciativa”. Como se ninguém se preocupasse com a necessidade de mudar um sistema sob o qual o grande capital, aliado ao governo federal, não consegue propiciar uma assistência médica generalizada ou escolas públicas dignas desse nome. As notícias da Bolsa são mais importantes que uma reavaliação do sistema.

A História reduzida à insignificância

Isto não passa de um breve apanhado do consenso nos Estados Unidos – que os políticos exploram e tentam constantemente reduzir a slogans simplistas. Mas também existem, nessa sociedade fascinantemente complexa, várias correntes contrárias e alternativas. A crescente resistência à guerra, que o presidente procura minimizar, tem origem em outra “América”, mais informal, um país que a mídia (jornais de referência, como o New York Times, emissoras de televisão e, em grande parte, revistas e editoras) sempre tenta dissimular. Jamais passamos por uma cumplicidade tão indecorosa, para não dizer escandalosa, entre os noticiários da televisão e a escalada para a guerra deste governo. Mesmo o cidadão medianamente informado – que assiste ao noticiário da CNN ou de qualquer outra das grandes emissoras – defende posições inflamadas quando fala das maldades de Saddam e da necessidade de que “nós” o detenhamos antes que seja tarde demais. E, como se isso não bastasse, os programas são monopolizados por ex-militares, peritos em terrorismo e analistas políticos especializados no Oriente Médio que não falam qualquer das línguas da região, nunca ali puseram os pés, e que martelam os telespectadores, num jargão decorado, sobre a necessidade de “nós” invadirmos o Iraque – ao mesmo tempo em que devemos proteger nossas janelas e nossos carros contra um ataque iminente com gás venenoso.

Cuidadosamente construído e gerenciado, o consenso funciona numa espécie de presente atemporal. Nos Estados Unidos, a História foi expulsa do discurso público; a própria palavra é sinônimo de insignificância, de desprezo, como na expressão tipicamente norte-americana you’re history (“você já era”). Quando solicitada, a História é aquela em que as pessoas supostamente devem acreditar sobre seu país (e não sobre o resto do mundo, que é “velho” e, de uma maneira geral, atrasado e, portanto, irrelevante), sem espírito crítico, fielmente, sem referências históricas. Constata-se, aqui, uma polaridade estarrecedora. Na visão do povo, os Estados Unidos devem ser vistos acima e para além da História; mas, por outro lado, existe no país inteiro uma obsessão pela história de tudo, dos pequenos temas de caráter regional à imensidão dos impérios do mundo.

Uma “visão consensual” da história

O patriotismo é a principal virtude, ligado à religião e à idéia de estar fazendo a coisa certa, não somente em seu país, mas em qualquer lugar do mundo

Um exemplo deve ser recordado. Dez anos atrás foi desencadeada uma grande batalha intelectual para saber qual a versão da História que deveria ser ensinada nas escolas. Prevaleceu o ponto de vista que defendia uma história dos Estados Unidos sob a forma de uma narrativa heróica e unificada, devendo refletir apenas ressonâncias positivas nos espíritos dos jovens; o estudo da História não tinha por objetivo exclusivo o conhecimento da verdade, mas a justeza ideológica de representações que pudessem tornar os estudantes pessoas dóceis, predispostas a aderir a um determinado número de temas imutáveis, como o das relações dos Estados Unidos consigo próprios e com o resto do mundo. Deveriam ser expurgados dessa visão essencialista elementos como os que foram denominados “pós-modernismo” e “a História que divide” (a das minorias – mulheres, escravos etc.).

Essa tentativa de impor critérios tão risíveis fracassou. Linda Symcox fez um resumo do que aconteceu: “É evidente que é possível defender, como eu faço, a idéia de que a abordagem [neoconservadora] do ensino da cultura constitui uma tentativa, apenas ligeiramente dissimulada, de inculcar nos alunos uma visão consensual da história, relativamente livre de contradições. Mas o projeto acabaria por mudar completamente de direção. Nas mãos dos historiadores da sociedade e do mundo que iriam realmente redigir os manuais para os professores, o documento se tornaria o veículo da visão pluralista que o governo pretendia combater. No final das contas, a história consensual (...) foi desafiada pelos historiadores que acreditavam que a justiça social e a distribuição do poder exigiam uma leitura mais complexa do passado3.”

A ilegitimidade de “antecedentes delicados”

Bush e seus empregados –Rumsfeld, Powell, Ashcroft e Rice – aprofundaram essa parafernália para mobilizar as forças armadas rumo a uma guerra distante

Na esfera pública, dominada de mil maneiras, como é pelos grandes meios de comunicação, é possível encontrar uma série de narratemas – como os chamo – que estruturam, moldam e controlam qualquer discussão, apesar de uma aparência de variedade e diversidade. Mencionarei aqui alguns, que me parecem particularmente pertinentes nos tempos atuais. Um deles é o “nós” coletivo, uma identidade nacional encarnada – aparentemente, sem qualquer problema – pelo nosso presidente, o nosso secretário de Estado, nossas forças armadas no deserto e nossos interesses, normalmente apresentados sob a rubrica de legítima defesa, desprovidos de motivos escusos e, de uma maneira geral, inocentes.

Um outro narratema: a irrelevância da História e a ilegitimidade de citar antecedentes delicados, tais como o apoio norte-americano a Saddam Hussein e Osama bin Laden, ou o fato de que a guerra do Vietnã (raramente mencionada) e a forma particularmente devastadora que a acompanhou foi “ruim” para os Estados Unidos – ou, como James Carter enfatizou certa vez, constituía uma força de “autodestruição mútua”. E ainda mais estarrecedora é a permanente marginalização, inclusive institucional, de duas importantíssimas experiências para a constituição da sociedade norte-americana: a escravidão do povo afro-americano e a expropriação e quase extermínio da população nativa da América do Norte. Embora exista um imponente Museu do Holocausto em Washington, nada existe de comparável para os afro-americanos ou para os ameríndios.

A força internacional do Bem

Terceiro exemplo: a convicção cega de que qualquer tipo de oposição à nossa política é “antiamericana” e baseada na inveja. Invejam a “nossa” democracia (liberdade, riqueza, poder...) ou então, como é o caso da resistência que a França demonstra em relação à guerra contra o Iraque, trata-se de pura e simples crueldade de estrangeiros desagradáveis. Nesse contexto, lembra-se constantemente aos europeus que os Estados Unidos os salvaram por duas vezes num século – subentendendo-se que a maioria dos europeus ficou inerte e os norte-americanos foram os únicos que realmente lutaram nas guerras.

A crescente resistência à guerra tem origem em outra “América”, mais informal, um país que os meios de comunicação sempre tentam dissimular

Quando se trata de regiões em que os Estados Unidos estão enrascados há pelo menos meio século, tais como o Oriente Médio ou a América Latina, o narratema que apresenta os norte-americanos como corretores honestos, juízes imparciais ou a força internacional do Bem é absolutamente incomparável. Depara-se com uma linha de raciocínio que exclui quaisquer propósitos como a manipulação do poder, lucros financeiros, pilhagem de recursos naturais, lobbies étnicos, deposição de regimes pela força e/ou pela subversão (no Irã, em 1953, e no Chile, em 1973, por exemplo) – raciocínio que perpetua uma tranqüilidade apenas perturbada por eventuais esforços de pessoas que insistem em recordar os fatos.

O mais perto que se consegue chegar desse tipo de realismo é por meio daqueles detestáveis eufemismos usados pelos think tanks e pelo governo, do tipo: soft power, projection ou American vision. Neles, são ainda menos representadas (ou meramente mencionadas) as políticas particularmente cruéis e injustas de que Washington assume diretamente a responsabilidade, tais como a campanha de Ariel Sharon contra a vida civil palestina, ou as assustadoras perdas civis provocadas no Iraque em conseqüência das sanções, ou ainda o apoio dado aos governos turco e colombiano. Tudo isso é considerado irrelevante quando se discute seriamente a política externa.

Um “anti-nominalismo pós-moderno”

Finalmente, há o narratema da sabedoria moral que encarnariam, de facto, figuras com autoridade oficial (como Henry Kissinger ou David Rockefeller, mas também todos os responsáveis pelo atual governo), repetido de forma constante e sem grandes mudanças. A recente nomeação, para cargos de importância, de duas pessoas condenadas pela Justiça por ocasião do escândalo de Watergate, nos tempos de Nixon (Elliott Abrams e John Poindexter), suscita poucos comentários, muito menos críticas. Esse tipo de aceitação cega da autoridade, passada ou presente, imaculada ou corrupta, apresenta-se de formas distintas: desde as perguntas respeitosas e até subservientes, feitas pelos comentaristas e especialistas, até a recusa de ver o que quer que seja naquele representante da autoridade exceto sua aparência (por exemplo, o terno escuro / camisa branca / gravata vermelha), permanecendo, assim, virgem de qualquer mancha que pudesse comprometer seu passado.

Jamais passamos por uma cumplicidade tão indecorosa entre os noticiários da televisão e a escalada para a guerra deste governo

Reforçando isso, há a crença no pragmatismo como sistema filosófico destinado a administrar o real; um pragmatismo antimetafísico, anti-histórico e, curiosamente, antifilosófico. Essa espécie de antinominalismo pós-moderno constitui, paralelamente à filosofia analítica, um estilo de pensamento muito influente na universidade norte-americana. Na Universidade de Columbia, por exemplo, pensadores como Hegel ou Heidegger são estudados nos departamentos de Literatura ou de História, e raramente no de Filosofia.

É essa espantosamente persistente série de “grandes narrativas” que as recém-organizadas redes de comunicação norte-americanas têm por tarefa difundir a qualquer preço, especialmente nos mundos árabe e muçulmano.

Os componentes da resistência à guerra

A obstinada tradição crítica – uma espécie de contramemória oficiosa fundamentalmente originada no fato de serem os Estados Unidos um país de imigrantes – é deliberadamente dissimulada. O pensamento dissidente floresce à margem e, às vezes, no interior desses distintos narratemas. Mas são poucos os comentaristas estrangeiros que percebem essa “floresta da dissidência”. Sejam progressistas ou reacionárias, essas correntes de opinião constituem – e tornam visíveis a olho nu – os vínculos entre os principais narratemas, que normalmente não são evidentes.

Examinando os componentes da impressionante resistência à guerra de Bush contra o Iraque, por exemplo, percebe-se uma imagem muito diferente dos Estados Unidos: a de um país muito mais aberto à cooperação internacional e ao diálogo. Isso – deixando-se de lado um considerável número de pessoas que se opõem à guerra devido aos riscos de perdas de vidas norte-americanas e ao custo operacional – sem mencionar as desastrosas conseqüências para uma economia já seriamente combalida. E deixando também de lado a agitada corrente de direita para a qual os Estados Unidos são objeto de calúnia por parte de pérfidos estrangeiros, das Nações Unidas e de comunistas ateus. A componente libertária e isolacionista – estranha coalizão de esquerda e direita – dispensa comentários.

O consenso funciona num presente atemporal: a História foi expulsa do discurso público e a própria palavra é sinônimo de insignificância, de desprezo

Deverá ainda ser incluída nas categorias não-examinadas a população estudantil, profundamente desconfiada em relação a praticamente todas as áreas da política externa norte-americana, mas especialmente a da globalização econômica: esse grupo, movido por princípios éticos e cujo comportamento por vezes beira o anarquismo, sensibilizou o campus das universidades norte-americanas mantendo em discussão temas como o da guerra do Vietnã, o apartheid na África do Sul e os direitos civis – nos próprios Estados Unidos.

A participação das coletividades étnicas

Ainda assim, são muitas as comunidades de consciência a serem examinadas. Elas provêm do que – na Europa e na África-Ásia – se chama esquerda, embora deva ser ponderado que, desde o final da II Guerra Mundial, jamais existiu, nos Estados Unidos, movimento algum que se assemelhasse ao socialista ou a uma esquerda com vocação parlamentar, tal é a força da máquina bipartite. Comecemos pela ala esquerda da comunidade afro-americana, ou seja, os grupos urbanos que militam contra a brutalidade policial, a discriminação no emprego, o abandono da habitação e do ensino, e que são dirigidos por personalidades como o reverendo Al Sharpton, Cornel West, Mohammed Ali, Jesse Jackson (embora sua estrela tenha perdido o brilho) e alguns outros que se consideram seguidores de Martin Luther King Jr.

Associadas a esse movimento, encontram-se inúmeras coletividades étnicas: latinos, ameríndios e muçulmanos que investiram muita energia para entrar em governos locais ou nacionais, para participar de um ou outro talk-show de prestígio, para conquistar lugares nos conselhos administrativos de fundações, universidades e grandes empresas. Mas, em seu conjunto, a maioria desses grupos continua sendo principalmente movida por um sentimento de injustiça e discriminação – e não pela ambição, o que os impede de integrar por completo o “sonho americano” que pertence, fundamentalmente, à classe média branca. O que é interessante com um reverendo Sharpton ou, digamos, um Ralph Nader, é que, apesar da visibilidade de que usufruem e de serem mais ou menos tolerados, continuam fora do sistema. São essencialmente irrecuperáveis por serem demasiado intransigentes e insuficientemente atraídos pelas tradicionais recompensas da sociedade.

Ainda assim, são muitas as comunidades de consciência a serem examinadas. Elas provêm do que – na Europa e na África-Ásia – se chama esquerda, embora deva ser ponderado que, desde o final da II Guerra Mundial, jamais existiu, nos Estados Unidos, movimento algum que se assemelhasse ao socialista ou a uma esquerda com vocação parlamentar, tal é a força da máquina bipartite. Comecemos pela ala esquerda da comunidade afro-americana, ou seja, os grupos urbanos que militam contra a brutalidade policial, a discriminação no emprego, o abandono da habitação e do ensino, e que são dirigidos por personalidades como o reverendo Al Sharpton, Cornel West, Mohammed Ali, Jesse Jackson (embora sua estrela tenha perdido o brilho) e alguns outros que se consideram seguidores de Martin Luther King Jr.

Associadas a esse movimento, encontram-se inúmeras coletividades étnicas: latinos, ameríndios e muçulmanos que investiram muita energia para entrar em governos locais ou nacionais, para participar de um ou outro talk-show de prestígio, para conquistar lugares nos conselhos administrativos de fundações, universidades e grandes empresas. Mas, em seu conjunto, a maioria desses grupos continua sendo principalmente movida por um sentimento de injustiça e discriminação – e não pela ambição, o que os impede de integrar por completo o “sonho americano” que pertence, fundamentalmente, à classe média branca. O que é interessante com um reverendo Sharpton ou, digamos, um Ralph Nader, é que, apesar da visibilidade de que usufruem e de serem mais ou menos tolerados, continuam fora do sistema. São essencialmente irrecuperáveis por serem demasiado intransigentes e insuficientemente atraídos pelas tradicionais recompensas da sociedade.

Um “Auschwitz norte-americano”

Uma ampla ala do movimento de mulheres, que luta pelo direito ao aborto, contra a violência e o assédio e pela igualdade de direitos profissionais, constitui outro importante trunfo da corrente dissidente. Da mesma forma, alguns setores de grupos profissionais normalmente reservados, absorvidos por questões de interesse pessoal ou de sua carreira (médicos, advogados, cientistas e particularmente acadêmicos, assim como alguns sindicatos e um setor do movimento ambientalista) contribuem para com a dinâmica das contra-correntes aqui enumeradas ainda que, enquanto entidades corporativas, fiquem presas à ordem social e aos imperativos dela decorrentes.

Na esfera pública é possível encontrar uma série de narratemas que estruturam, moldam e controlam qualquer discussão, apesar de uma aparência de variedade

Em seguida, não deve ser subestimada a capacidade das igrejas de serem viveiros de dissidência e vontade de mudar. Seus membros devem ser separados dos fundamentalistas e tele-evangelistas já citados. Os bispos católicos, assim como os leigos e o clero da igreja episcopal, os quakers e o sínodo da igreja presbiteriana – isso, apesar dos escândalos envolvendo os primeiros e a perda de influência dos restantes – assumiram posições surpreendentemente progressistas sobre a questão da guerra e da paz, insurgindo-se contra violações de direitos humanos cometidas no exterior, contra os orçamentos militares hipertrofiados e contra a política econômica neoliberal que vem mutilando os serviços públicos desde o início da década de 80.

Historicamente, uma parte da comunidade judaica organizada sempre participou das lutas pelos direitos das minorias no interior dos Estados Unidos e no exterior. Porém, a partir do governo Reagan, a ascensão do movimento neoconservador e a aliança entre Israel e a direita religiosa – assim como a atividade febril do movimento sionista tentando estabelecer uma correspondência entre a crítica a Israel e o anti-semitismo, e criando mesmo o medo de um “Auschwitz norte-americano” – diminuíram consideravelmente o impacto positivo dessa força.

As virtudes capitalistas em perigo

Finalmente, há um grande número de grupos e pessoas convidadas para comícios, manifestações e outros tipos de protesto que se distanciou do coro patriótico embrutecedor. Reuniram-se em torno da defesa das liberdades civis (inclusive de imprensa), ameaçadas pelo USA Patriot Act (leia, nesta edição, o artigo de Philippe Rivière). Várias outras coisas perturbam constantemente a tranqüilidade da classe média: as mobilizações contra a pena capital, às vezes até contra todos os abusos encarnados por campos de detenção, como o de Guantánamo; uma desconfiança generalizada em relação às autoridades militares e civis; o incômodo provocado por um sistema carcerário cada vez mais privatizado e com mais pessoas presas (proporcionalmente à população) do que qualquer outro no mundo (inclusive, um número desproporcional de homens e mulheres negros)...

Essa situação se reflete na confusão do ciberespaço, onde uma nação oficiosa contesta uma nação oficial. Temas perturbadores, como o fosso que aumenta a distância entre os ricos e os pobres, a incrível prodigalidade e corrupção que campeiam nas altas esferas das finanças e os perigos que se adivinham para o sistema de aposentadorias devido à insaciável voracidade das diversas privatizações – tudo isso representa um risco de peso para as tão celebradas virtudes de um sistema capitalista tão intrínseco aos Estados Unidos.

Conseqüências involuntárias da globalização

Há outra forma de ver os EUA, como um país convulsionado por conflitos em que a contestação está mais presente do que normalmente se admite

Estará a população norte-americana realmente unida em apoio a este presidente, a esta política externa belicista, a esta visão econômica perigosamente simplória? Em outras palavras, estará a identidade dos Estados Unidos definida de uma vez por todas, de tal forma que o resto do mundo deverá, a partir de agora, aprender a viver à sombra de seu poderio militar (existem, atualmente, tropas norte-americanas em dezenas de países), de um bloco monolítico travando guerras à direita e à esquerda, em todas as regiões indóceis do mundo, com a plena concordância de “todos os norte-americanos”?

O que tentei sugerir aqui foi uma outra forma de ver os Estados Unidos, como um país convulsionado por conflitos em que a contestação está mais presente do que normalmente se admite. Uma nação atormentada por um sério conflito de identidades. Talvez tenha vencido a guerra fria, como gostam de dizer, mas as conseqüências internas dessa vitória estão longe de serem evidentes; a luta não terminou. Ao se fixar o foco sobre o poder centralizador – militar e político – do executivo, ignora-se o processo dialético de confronto interno, que continua e está longe de ter sido resolvido.

O grande erro da tese de FrancisFukuyama sobre o fim da história, assim como da de Samuel Huntington sobre o choque das civilizações, decorre do fato de que ambos pressupõem, equivocadamente, que a história das culturas se reduz a limites precisos, a temporalidades delimitadas, com princípio, meio e fim. Quando, na realidade, o campo político-cultural é a arena de uma luta de identidades, de autodefinição e de projeção no futuro. Uma cultura – e, em especial, a norte-americana – é composta por sucessivas ondas de imigrantes e talvez essa seja uma das conseqüências involuntárias da globalização: o surgimento de comunidades transnacionais com interesses globais, como, por exemplo, o movimento pelos direitos humanos, o movimento das mulheres, o movimento contra a guerra etc. Os Estados Unidos não estão isolados de tudo isso. É preciso olhar além da unidade de fachada, envolver-se nesse conjunto de disputas – das quais participa um bom número de pessoas do mundo inteiro. Dessa forma, será possível encontrar esperança e incentivo.

(Trad.: Jô Amado)

1 - 16 de janeiro de 2003.
2 - The Overworked American: the unexpected decline of leisure, Basic Books, Nova York, 1991.
3 - Linda Symcox, Whose history?: the Struggle for national Standards in American classrooms, Teachers College Press, Nova Yorque, 2002.




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