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ÁFRICA OCIDENTAL

As armadilhas do “livre comércio” do algodão

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Com a crise da vaca louca, a demanda por algodão – principalmente forragem, para alimentação de gado – disparou. Mas a superprodução e os subsídios aos agricultores (na Europa e nos EUA) fizeram a cotação despencar no promissor mercado africano

André Linard - (01/09/2003)

O algodão é um recurso vital para a maioria dos países da região: no Benin, representa 75% das receitas de exportação; no Burkina Faso, 60% e 1/3 do PIB

Desta vez está decidido: a Companhia Malinesa de Têxteis (CMDT) será privatizada até o final de 2003. Esta empresa gerencia1 95% do algodão colhido no Mali, segundo país produtor africano, depois do Egito. Trata-se, portanto, de uma etapa importante num processo empreendido em toda a África Ocidental por pressão do Banco Mundial. No entanto, o exemplo do Benin, apresentado como um laboratório das reformas do setor algodoeiro na África de língua francesa, não parece muito estimulante: desde 1994, oito fábricas privadas foram progressivamente admitidas, ao lado das dez fábricas da sociedade algodoeira – a Sociedade Nacional para a Promoção Agrícola (Sonapra). Ora, o crescimento previsto da produção sofreu um atraso: em 2002-2003, os produtores beninenses plantaram apenas 320 mil hectares de algodão em vez dos 400 mil previstos no início do programa. Em conseqüência, a produção caiu 23%: de 415 mil toneladas, em 2001-2002, passou para 320 mil toneladas.

O algodão é um recurso vital para a maioria dos países da região: no Benin, representa 75% das receitas de exportação; no Mali, “somente” a metade dos recursos em divisas; no Burkina Faso, outro grande produtor, são 60% das receitas de exportação e mais de um terço do Produto Interno Bruto (PIB). Para o Chade, é o principal produto de exportação. Além das divisas obtidas, o algodão propicia inúmeros benefícios. O óleo obtido a partir dos grãos representa o essencial do consumo de óleo comestível no Mali, no Chade, no Burkina Faso, no Togo, e uma proporção significativa na Costa do Marfim e em Camarões. Sem falar da alimentação para o gado, derivada do algodão.

Escassez de grãos de algodão

Com a privatização, sobretudo a da debulha, as fábricas já não se sentem obrigadas a mandar sua produção de grãos para os produtores de óleo locais

Antes da privatização, as empresas nacionais algodoeiras mandavam a totalidade de sua produção (com exceção das sementes) para as fábricas locais. O setor garantia aos agricultores o escoamento de suas colheitas – cabendo a eles comprarem os insumos dessas empresas quase monopolistas – e alimentavam fábricas de pequenas transformações (sobretudo produtoras de óleo2). Mas, com a privatização, sobretudo a da debulha, a partir de meados da década de 90, as fábricas privatizadas de debulha já não se sentem obrigadas a mandar sua produção de grãos para os produtores de óleo locais, que funcionam em ritmo muito lento.

Foi desta maneira que a crise da vaca louca teve conseqüências indiretas na África. Na realidade, a proibição do uso de farinhas animais na alimentação dos bovinos provocou na Europa uma grande demanda de produtos de substituição das farinhas com componentes de carne. Sendo o grão do algodão utilizado nessa produção, os fabricantes voltaram-se para a África, oferecendo preços superiores aos do mercado local. Resultado: a exportação priva os produtores de óleo locais de grãos de algodão.

Despenca a cotação internacional

“A maioria das fábricas africanas produtoras de óleo de algodão operam entre 25% e 30% de sua capacidade instalada porque não há grãos para moer”, lamentava-se, há um ano, Saliou Alimi Ichola, secretário geral da Associação dos Industriais do Setor Oleaginoso da União Econômica e Monetária Oeste-Africana (AIFO-Uemoa). Yves Lambelin, presidente do grupo Sifca da Costa do Marfim, confirma: “As indústrias de moagem de grãos de algodão no Mali, no Burkina Faso, no Togo e no Benin reduziram seus preços de venda em 25%, com preços de custo idênticos”. Os países costeiros são os que estão mais diretamente expostos à saída em massa dos grãos de algodão, exportados para a Europa sem tarifas alfandegárias.

“A maioria das fábricas africanas de algodão opera entre 25% e 30% de sua capacidade instalada porque não há grãos para moer”, lamenta-se um empresário

A crise do algodão na África Ocidental – que atinge dramaticamente dois milhões de pequenos produtores dos onze países da zona franca3, aos quais se acrescentam vários milhões de outras pessoas cuja renda está ligada a esta atividade – também é decorrente de uma baixa da cotação do algodão no mercado internacional. Iniciada em 1997, com um parêntese no final de 2000, essa diminuição transformou-se em queda livre em 2001. Barômetro das cotações internacionais, o índice Cotlook A passou de 64,95 centavos a libra para 36,35 centavos, na metade de outubro, um piso jamais atingido desde o programa de 1973-1974. Ora, uma grande baixa das cotações mundiais pode acarretar perdas representativas para os países muito dependentes: 28,6 bilhões de francos CFA (43,6 milhões de euros, ou 142 milhões de reais), por exemplo, para o Benin; 40 bilhões de francos CFA (61 milhões de euros, ou 200 milhões de reais), para o Burkina Faso em 2002.

Contrariando a lógica econômica

Desde outubro de 2002, o índice gira em torno de 55 centavos a libra. Mas os países produtores não devem comemorar depressa demais. Na realidade, essa alta é provocada pela grande diminuição da colheita chinesa, que é resultado, ela própria, segundo o Comitê Consultivo Internacional sobre o Algodão (CCIC), de fatores reversíveis: redução das superfícies cultivadas devido ao preço baixo demais e condições climáticas desfavoráveis (secas, sobretudo)... “A China”, acrescenta William Dunavant, principal intermediário algodoeiro no mundo, “produziu menos e comprou mais do que nos anos anteriores, o que explica em parte a alta4.”

No entanto, não é o preço que incomoda os produtores de algodão da África, os quais, levando-se em conta seus custos de produção mais baixos, deveriam ser beneficiados. Segundo a lógica do mercado, de fato, os exportadores da União Européia (a Grécia, sobretudo) e os Estados Unidos deveriam reduzir a oferta, uma vez que o preço de custo é mais elevado. Mas o mercado do algodão passa por um paradoxo: a oferta pouco diminui, apesar do preço baixo. Os estoques mundiais de fibras de algodão são excessivos.

Ao contrário de qualquer lógica econômica e das previsões dos especialistas, a baixa das cotações não conseguiu, por enquanto, aumentar a demanda, nem conter a produção mundial. Os principais exportadores são os Estados Unidos, a zona franca africana, o Egito, o Uzbequistão e a Austrália; os importadores são, em primeiro lugar, os países do sudeste da Ásia. A China, que produz e consome, sozinha, 25% da produção mundial, é tanto compradora, quanto vendedora, segundo as probabilidades das colheitas.

Estímulo artificial à produção

A crise do algodão na África Ocidental também é decorrente de sua baixa cotação no mercado internacional, devido à superprodução e estoques excessivos

Para muita gente, a explicação está nos subsídios concedidos pela União Européia e os Estados Unidos a seus produtores, permitindo que estes produzam a um custo muito inferior ao preço de custo real. Em todo caso, esta é a opinião dos países que formaram, em 19 de setembro de 2002, a Associação Algodoeira Africana (ACA), cujo objetivo é a defesa do setor do algodão por meio da solidariedade entre os países produtores da região. Para esta última, o mercado mundial do algodão passa hoje por “disfuncionamentos” e “práticas desleais”, alusão aos subsídios concedidos pelos Estados Unidos e a Europa a seus próprios cultivadores de algodão. Segundo Ibrahim Maloum, presidente da ACA, “a produção algodoeira africana beneficia-se de inúmeras vantagens comparativas. A África não pede um tratamento excepcional, mas, ao contrário, o respeito, por parte de todos, das regras da Organização Mundial do Comércio”.

Já em novembro de 2001, as organizações camponesas dos três principais países produtores de algodão da África Ocidental (Mali, Benin e Burkina Faso), seguidas por uma organização regional de Madagascar, lançaram um grito de alerta explícito: “Esses subsídios têm efeitos perversos sobre as economias de nossos países, pois eles estimulam artificialmente a produção mundial e acarretam uma superprodução, e, portanto, a queda das cotações. Os subsídios de que se beneficiam os agricultores da União Européia e dos Estados Unidos lhes permitem resistir melhor a essas quedas de preço.”

Pela supressão dos subsídios

Os Estados Unidos deram 3,7 bilhões de dólares a seus produtores no ano passado. Outros fornecedores de subsídios visados: a Europa (700 milhões de dólares), a China (1,2 bilhão de dólares em 2001/2002), a Espanha, a Grécia, a Turquia, o Brasil, o México, o Egito. Nenhum país africano tem meios de subvencionar seus próprios produtores, como fazem os Estados Unidos e a Europa. Aliás, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial proíbem-nos de assim proceder.

A explicação estaria nos subsídios concedidos pela UE e EUA aos produtores, permitindo-lhes que produzam a um custo muito inferior ao preço de custo real

É também a análise feita por Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de economia: “Com tais subsídios (4 bilhões de dólares por ano), os fazendeiros norte-americanos são tentados a produzir quantidades enormes de algodão, provocando uma baixa considerável dos preços. (...) As vantagens para nossos fazendeiros só serão obtidas às custas do agravamento da pobreza5”. Um estudo do Banco Mundial6 lhe dá parcialmente razão; mas, é claro, preconiza, como resposta, uma maior liberalização. A OMC deverá se ocupar da questão durante a conferência de Cancún deste mês (leia, nesta edição, os artigos de Bernard Cassen e Jacques Berthelot sobre a Conferência de Cancún). Na realidade, embora somente o Benin se tenha juntado à queixa formal contra esses subsídios, apresentada pelo Brasil, quatro países africanos (Benin, Burkina Faso, Mali e Chade) vão exigir oficialmente sua supressão.

Declarações cínicas

Acusada, a Europa respondeu por intermédio do comissário de comércio, Pascal Lamy7. Este salienta que a Europa só produz 2% do algodão mundial, o que a torna pouco influente sobre a cotação; a respeito desse ponto, o CCIC vai na mesma direção. O comissário lembra, por outro lado, que o algodão dos países africanos PMA entra sem tarifas alfandegárias na União Européia, e que a Europa importa uma grande quantidade de produtos têxteis. Lamy, no entanto, não especifica que posição a União Européia vai defender nessas negociações na OMC.

Por sua vez, o comissário europeu da agricultura, Franz Fischler, dirigia-se, no final de setembro de 2002, aos agricultores gregos para tranqüilizá-los: “O nível das despesas agrícolas em âmbito europeu permanecerá imutável”. Numa declaração intitulada: “Algumas idéias simples para a agricultura européia” (23 de setembro de 2002), sete dos quinze ministros europeus encarregados da agricultura, dentre os quais o francês Hervé Gaymard, declaram, sem ver nisso contradição, que “as agriculturas de muitos desses países [do Terceiro Mundo], em especial da África, têm, antes de tudo, vocação para garantir a auto-suficiência alimentar. Esta última está gravemente prejudicada pela destruição das agriculturas tradicionais, o que provoca uma alta das importações e aumenta, desta forma, o endividamento desses Estados”. Os subsídios europeus não teriam, portanto, nenhuma ligação com as dificuldades dos agricultores africanos, segundo esses ministros, que esquecem que, efetivamente, a agricultura desses países do sul foi orientada para a exportação, freqüentemente por pressão dos países industrializados.

(Trad.: Regina Salgado Campos)

1 - Em suas zonas de intervenção, a CMDT dispõe do monopólio de compra do algodão em grão, do monopólio de venda dos principais insumos e de debulha.
2 - Ler, de Edmond Jouve, “Une filière qui a fait ses preuves” e, de Sami Nair, “Sortir le continent de la marginalisation”, Le Monde diplomatique, suplemento “Le coton, atout de l’Afrique rurale”, maio de 1999.
3 - Senegal, Guiné Bissau, Costa do Marfim, Burkina Faso, Mali, Níger, Benin, Togo, Chade, República Centro-Africana, Camarões.
4 - http://www.deltafarmpress.com, 7 de janeiro de 2003.
5 - Joseph Stiglitz: discurso de recepção do título de doutor honoris causa na Universidade de Louvain-la-Neuve em 3 de fevereiro de 2003.
6 - Ler, de Ousmane Badiane et al.: “Evolution des filières cotonnières en Afrique de l’Ouest et du Centre”, julho de 2002 (ver http://www.banquemondiale.org )
7 - Carta de 31 de maio de 2002 http://europa.eu.int/comm/trade/goo...




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