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O objetivo francês é o de chegar a um instrumento jurídico internacional sobre a diversidade cultural, ou seja, uma convenção. Quem se poderia opor a objetivo tão sensato? Na verdade, forças muito poderosas, a começar pelos Estados Unidos
- (01/09/2003)
Duas semanas depois de Cancún, a 32a Conferência Geral da Unesco (29 de setembro a 17 de outubro) vai iniciar uma negociação internacional menos divulgada do que as empreendidas atualmente pela Organização Mundial do Comércio (OMC), mas potencialmente tão explosiva: refere-se à promoção da diversidade cultural, expressão que apresenta de forma positiva o que “exceção cultural” poderia ter de defensivo.
Esta questão também está em discussão no âmbito da União Européia e da OMC e, em seus múltiplos aspectos, já foi objeto de cerca de uns cem instrumentos internacionais esparsos (e freqüentemente não aplicados), quer sejam oficialmente coercitivos (cartas de princípios, convenções, protocolos, tratados, programas e orientações européias) ou não coercitivos (declarações, resoluções, recomendações, planos de ação etc.)
O objetivo do governo francês, que ocupa a vanguarda nesta questão1, não é nada menos do que chegar a um instrumento internacional sobre a diversidade cultural, ou seja, a uma convenção que fixe uma norma que tenha um status equivalente ao de todas as outras normas do direito internacional. Essa convenção reconheceria a especificidade dos bens e serviços culturais; o direito de cada governo de tomar qualquer medida legislativa, jurídica ou financeira para a preservação de seu patrimônio cultural e lingüístico nacional; finalmente, a necessidade de cooperação com os países do Hemisfério Sul, por exemplo, sob a forma de acordos de co-produção cinematográfica ou audiovisual, que lhes permitiriam ter acesso aos auxílios nacionais e às redes de difusão dos países desenvolvidos.
Quem se poderia se opor a objetivos tão sensatos? Na verdade, forças muito poderosas. Encabeçando os “não”, o governo norte-americano, seguido por muitos outros, assim como pela OMC. Entre os mais reticentes, o Brasil do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a maioria dos membros da Comissão Européia, a maioria também dos Estados membros da União e um número indeterminado de outros. Os “a favor” têm em primeiro lugar a Alemanha, o Canadá, a França, a Grécia, o Marrocos, o México (por quanto tempo?) e os países de língua francesa.
Na verdade, mesmo que a OMC não seja mencionada em qualquer documento preparatório da Conferência Geral, todos compreenderam muito bem que se tratava de lhe criar obstáculos, formulando uma norma internacional capaz de ser invocada contra as negociações do Acordo Geral sobre o Comércio dos Serviços (AGCS2) e contra decisões que seriam tomadas por seu Órgão de Regulação de Pendências (ORD).
Nessa hipótese, a arbitragem da Corte Internacional de Justiça de Haia, única jurisdição habilitada a apreciar a compatibilidade das normas internacionais, poderia ser solicitada. Esse dispositivo questionaria, portanto, a predominância do direito do comércio, do livre comércio desenfreado, sobre todos os outros direitos (sobretudo sociais, ambientais e culturais), que fazem da OMC a ponta-de-lança da globalização liberal. É esse o ponto problemático.
Por escrito, na Unesco, as coisas se apresentam, no entanto, de maneira positiva para os partidários da convenção. A Conferência Geral (em que têm assento todos os Estados membros) não adotou por unanimidade, em dezembro de 2001, uma Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, em que figura explicitamente a referência a um instrumento normativo? E, em abril de 2003, o Conselho executivo (50 Estados representados) não decidiu, também por unanimidade, incluir na ordem do dia da Conferência Geral a questão da oportunidade desse instrumento?
É verdade, mas este outono deve marcar o retorno dos Estados Unidos à Unesco3, cujo orçamento deve ser financiado por eles em 25%. Além disso, é notório que o diretor-geral da Organização, o japonês Koichiro Matsuura, não é de forma alguma partidário da convenção. Ele pensava ter terminado de uma vez por todas com a questão da diversidade cultural com a adoção da Declaração de 2001. Sua principal preocupação é não fazer nada que possa desagradar Washington.
Mal chegando de volta à Unesco, será que os Estados Unidos, provavelmente o país mais protecionista do mundo em matéria cultural4 (talvez com a Coréia do Norte) vão imediatamente iniciar hostilidades contra a França e seus aliados num terreno que foi cuidadosamente preparado por uma série de documentos, e que tem, portanto, uma legitimidade institucional impecável? Ou então - o que não será difícil - irão eles emperrar as negociações, sobretudo acentuando as pressões (já em curso) sobre os Estados hesitantes? O prazo previsto para a adoção de uma eventual convenção seria a Conferência Geral do outono de 2005. Mas a “temperatura” das discussões será sentida bem antes, e estas poderiam, como no caso do Iraque, se transformar numa queda de braço entre Washington e Paris.
(Trad.: Regina Salgado Campos)
* Diretor do Monde diplomatique.
1 - Apesar do intenso ataque no sentido inverso exercido pelo comissário europeu Pascal Lamy, Paris obteve in extremis que o projeto de tratado constitucional elaborado pela Convenção para o Futuro da Europa mantivesse a regra de unanimidade para as questões referentes ao audiovisual e à cultura, se a diversidade cultural estiver em perigo. Para todos os outros serviços (e sobretudo para a educação e a saúde) é o procedimento da maioria qualificada, arma de choque para todas as “liberalizações”, que vai ser utilizada para a definição do mandato da Comissão nas negociações internacionais.
2 - Até hoje, no âmbito da AGCS, só 25 países, dos 146 que fazem parte da OMC, subscreveram compromissos de liberalização em matéria audiovisual. A UE não assumiu qualquer compromisso nesse campo.
3 - Os Estados Unidos retiraram-se da Unesco em dezembro de 1984.
4 - Os Estados Unidos importam somente 2% de seu “consumo” cultural.
* Diretor do Monde diplomatique.
1 - Apesar do intenso ataque no sentido inverso exercido pelo comissário europeu Pascal Lamy, Paris obteve in extremis que o projeto de tratado constitucional elaborado pela Convenção para o Futuro da Europa mantivesse a regra de unanimidade para as questões referentes ao audiovisual e à cultura, se a diversidade cultural estiver em perigo. Para todos os outros serviços (e sobretudo para a educação e a saúde) é o procedimento da maioria qualificada, arma de choque para todas as “liberalizações”, que vai ser utilizada para a definição do mandato da Comissão nas negociações internacionais.
2 - Até hoje, no âmbito da AGCS, só 25 países, dos 146 que fazem parte da OMC, subscreveram compromissos de liberalização em matéria audiovisual. A UE não assumiu qualquer compromisso nesse campo.
3 - Os Estados Unidos retiraram-se da Unesco em dezembro de 1984.
4 - Os Estados Unidos importam somente 2% de seu “consumo” cultural.
1 - Apesar do intenso ataque no sentido inverso exercido pelo comissário europeu Pascal Lamy, Paris obteve in extremis que o projeto de tratado constitucional elaborado pela Convenção para o Futuro da Europa mantivesse a regra de unanimidade para as questões referentes ao audiovisual e à cultura, se a diversidade cultural estiver em perigo. Para todos os outros serviços (e sobretudo para a educação e a saúde) é o procedimento da maioria qualificada, arma de choque para todas as “liberalizações”, que vai ser utilizada para a definição do mandato da Comissão nas negociações internacionais.
2 - Até hoje, no âmbito da AGCS, só 25 países, dos 146 que fazem parte da OMC, subscreveram compromissos de liberalização em matéria audiovisual. A UE não assumiu qualquer compromisso nesse campo.
3 - Os Estados Unidos retiraram-se da Unesco em dezembro de 1984.
4 - Os Estados Unidos importam somente 2% de seu “consumo” cultural.