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Miséria e guerra santa

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O surgimento de organizações islâmicas radicais, extremamente violentas, ganha força nas favelas abandonadas pelo Estado, onde se fabricam as condições de uma revolta desesperada

Selma Belaala - (01/11/2004)

O atentado de Taba (Egito), que deixou um saldo de dezenas de vítimas no mês de outubro, confirmou que a causa do djihad (guerra santa) já não se limita mais a conflitos periféricos, como o Afeganistão, a Tchetchênia e a ex-Iugoslávia, mas que seus ataques são dirigidos contra o próprio epicentro do mundo árabe-muçulmano. Hoje, a Jordânia, a Arábia Saudita e o Marrocos estão na linha de mira. Os atentados de Casablanca, em 16 de maio de 2003, revelaram para o mundo a implantação de uma nova forma de ideologia fundamentalista, o “takfir”, que não se contenta em combater os Estados Unidos e a “entidade sionista”, mas denuncia os dirigentes muçulmanos (e todos aqueles que, de uma maneira ou de outra, lhes dão apoio) como “não muçulmanos”, condenando-os como apóstatas (pessoas que renegam sua fé). A corrente islâmica takfir recorre à violência política contra os Estados, a fim de obrigá-los a “retornar às leis de Deus e à sociedade profética do islã original”. Seu objetivo não é unicamente derrubar regimes corrompidos e impopulares, como também depurar a ordem política em vigor.

A corrente islâmica takfir recorre à violência política contra os Estados, para obrigá-los a “retornar à sociedade profética do islã original”

Criado nos anos 70 a partir de uma cisão do movimento Irmãos Muçulmanos Egípcios1, o takfir wa al hijra tornou-se uma das principais ideologias de combate pela violência no mundo muçulmano, em particular a partir do início dos anos 902. O movimento constituiu uma ruptura com as demais correntes islâmicas, menos relutantes em participar do jogo político oficial para tentar instaurar, pela voz das urnas se necessário, um Estado islâmico. Por vezes, é designado pelo termo “salafismo takfirista” 3.

A importância adquirida pela doutrina takfir no âmbito dos grupos terroristas reflete igualmente uma ruptura entre esse braço extremo do islã político e países considerados como bem ancorados no islã tradicional – por exemplo, o Marrocos. O caso desse Estado, cujo rei é um “descendente do profeta”, mostra que a questão envolve, na verdade, um deslocamento, no seio das sociedades muçulmanas, da fronteira que separa os seguidores do djihad dos alvos de sua violência.

Força nas favelas

Uma declaração de apostasia relativa à sociedade e ao Estado marroquinos foi publicada por pequenos grupos fundamentalistas e distribuída em mesquitas das periferias de Casablanca, poucas semanas antes dos atentados de 16 de maio de 2003. Ao referir-se a Mohammed Fizazi – um professor de 57 anos, “teórico” marroquino do takfir condenado a trinta anos de prisão em agosto de 20034 – um militante salafista declarou: “O crime pelo qual Fizazi foi julgado é o de dizer, de maneira diferente dos outros, a profissão de fé muçulmana [Não há outra divindade senão Deus e Maomé é o Profeta de Deus]!” Esta declaração evidencia que houve uma mudança na relação dos salafistas takfiristas para com o islã e que os demais muçulmanos passaram a ser considerados como infiéis.

Os grupos agem por iniciativa própria, e não apenas em função de instruções provenientes da Al-Qaeda

O inquérito aberto depois dos atentados de Casablanca – a exemplo, aliás, dos atentados de 11 de março de 2004, em Madri – revelou que a maioria dos grupos takfiristas provém das favelas de Casablanca, Meknes, Fez e Tanger, bem como dos subúrbios desestruturados das periferias das cidades marroquinas5 . Ele evidenciou igualmente o forte arraigamento local desses grupos extremistas, que não constituem unicamente “células dormentes” prontas para atender aos comandos da Al-Qaeda, apesar de a rede de Osama Bin Laden desempenhar um papel significativo no trabalho de estruturação logística e na fixação de orientações estratégicas6 .

Para se ter uma idéia da dimensão da violência praticada pelos takfiristas no Marrocos, é preciso ter em mente que, só em 2002, este movimento assassinou cerca de 166 civis – uma informação que os grandes canais de comunicação preferem não divulgar. Essa violência pouco midiatizada manifesta-se sobretudo nos bairros pobres dos subúrbios. A ação autônoma de chefões de bairro, autoproclamados “emires” – como Fikri, implantado em um subúrbio de Casablanca, Rebaa, chefe das milícias das periferias de Meknes, e outros “emires” que lideram uma dúzia de bandos locais –, mostra que esses grupos agem também por iniciativa própria e não apenas em função de instruções provenientes de um vale perdido no Afeganistão.

Nova geração camicase

Os takfiristas fazem parte de uma nova geração de integristas oriundos das camadas da população excluídas da sociedade e vivem em bairros insalubres de localidades desintegradas7 . Seus redutos encontram-se em áreas conhecidas como Al Karyan, antigas pedreiras situadas em zonas industriais abandonadas após a independência, em 1956, e transformadas em bairros de concentração de relegados. Ali, desde há várias décadas, crescem e se multiplicam favelas para as quais convergem camponeses sem terra, desarraigados das áreas rurais miseráveis e vítimas do êxodo rural. A maioria dos takfiristas e dos camicases do atentado de 16 de maio de 2003 são habitantes das Karyan, frutos de uma linhagem social maldita que vive nessas favelas infernais.

Os takfiristas fazem parte de uma nova geração de integristas oriundos das camadas da população excluídas da sociedade

Na Grande Casablanca, a aldeia de Douar Sekuila, território do “emir” Fikri, e os subúrbios de Thomas e Lahraouiyine, bairros de origem dos camicases do atentado de Casablanca, surgiram de maneira ilegal. Os barracos improvisados – montagens de pranchas e de papelão encontrados nas ruas – estão organizados não em ruelas, mas em quadras anônimas, formando bairros que não têm, por assim dizer, uma identidade pública. Seus habitantes só conseguem sobreviver graças ao tráfico e a pequenos furtos, praticando a economia informal do "salve-se quem puder". Situados a menos de meia hora do centro de Casablanca, esses guetos miseráveis não dispõem de sistemas de água corrente, de esgoto nem de eletricidade; as águas usadas, pestilentas e nauseabundas, estagnam nas ruelas em terra batida, apodrecendo com o calor e atraindo nuvens de mosquitos, vetores de um sem-número de doenças. Os habitantes dos bairros residenciais chamam essas áreas de “Tchetchênias”, termo que reflete bem o estado de desintegração urbana, social e cultural desses bairros.

São estas zonas desterritorializadas que se transformaram em verdadeiros celeiros de takfiristas. Na verdade, a diferença entre os takfiristas e os islamitas que se converteram à legitimidade política, como o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (PJD), ou a ações sociais, como a entidade filantrópica Al adl wa al ihsan (Caridade e Beneficência), do xeique Yassine, não é somente de ordem tática – a diferença é também sociológica. Os salafistas do movimento takfir não são jovens criados nos bairros populares da Medina (parte antiga da cidade, onde se encontra o centro histórico), nem mesmo nos bairros de operários e nos grandes conjuntos residenciais – áreas há muito tempo abandonadas pelos partidos, por sindicatos de esquerda e pela extrema esquerda e freqüentadas assiduamente, há 20 anos, pelos militantes islâmicos tradicionalistas. Os takfiristas são alienados oriundos de meios sociais desintegrados, que só conheceram o universo sórdido e brutal dos guetos, tendo sempre sido tratados pela sociedade como animais ferozes. Em nome de uma concepção sectária do islã que lhes é própria, eles dirigem esta ferocidade cruel contra a ordem estabelecida.

Tragédia social

A decomposição da cultura do Derb, bairro popular tradicional urbano, contribuiu de maneira determinante para a propagação do salafismo takfirista nesses subúrbios. Enquanto que, nos bairros de Medina, os mais pobres conseguem sobreviver graças ao comércio informal e à solidariedade tradicional, nas favelas a situação é bem diferente. Nelas, a inexistência de atividade econômica, o isolamento da população e a ruptura com o restante da sociedade estimulam comportamentos marginais. No dia-a-dia, o aprovisionamento é assegurado por uns poucos comerciantes ambulantes. A ausência de bazares e pequenas lojas surpreende os visitantes. As condições de vida são desastrosas.

O islã salafista marroquino é o resultado da desagregação do islã tradicional e não da sua ressurgência

Tradicionalmente, o convívio da população nos bairros populares do centro da cidade se organiza em torno da mesquita, do forno para o pão e dos estabelecimentos de banho turco. Nas favelas, a ausência desta organização típica da vida coletiva dos antigos bairros populares impediu a construção de um vínculo social – prova de que o islã salafista marroquino é o resultado da desagregação do islã tradicional e não da sua ressurgência.

Comparados com os bairros da parte antiga da cidade, repletos de pequenas lojas e formigando de gente, os subúrbios takfiristas assustam pela solidão que refletem. Além disso, em razão da ausência de transportes públicos, os habitantes estão condenados a um isolamento endêmico. Afastados de todas as eventuais fontes de emprego e das atividades sociais da cidade, forçados a sobreviver com quase nada, os fundamentalistas das Karyan, em sua maioria, nunca tiveram a oportunidade de conhecer o centro urbano. Esta distância faz com que muitos afirmem, com certa ironia, que os camicases dos atentados de maio de 2003, oriundos desses bairros, viram pela primeira vez o centro de Casablanca no dia do atentado. Além disso, a polícia nunca penetrou na favela de Lahraouyine, famosa por ser o principal bastião takfirista da Grande Casablanca. Ali, o Estado e os serviços públicos estão totalmente ausentes: não há escolas, nem postos médicos, nem correios, nem bancos, nem transportes públicos. Apenas algumas carroças de madeira, puxadas por mulas esqueléticas, aceitam percorrer a estrada nacional em direção a este subúrbio maldito, considerado, desde os atentados, como a localidade mais perigosa do país. Com medo da delinqüência e dos salafistas locais, os táxis coletivos se recusam a trabalhar nesta zona, que vem se tornando, aos poucos, uma espécie de terra de ninguém; os motoristas mais temerários que aceitam ir até essas áreas exigem o pagamento de uma “taxa de risco”.

Castelo de ódio

Os forasteiros de passagem por esses bairros sentem-se constrangidos diante do ressentimento que se lê no olhar da população desconfiada, pouco habituada a ver desconhecidos visitarem a Karyan. Nesta favela de camicases, os habitantes, rejeitados, se refugiam atrás de um castelo de ódio e, por sua vez, também rejeitam todos os outros cidadãos, inclusive seus vizinhos do conjunto residencial de Ben M’sik, antigo bastião das revoltas populares dos anos 80, situado a poucos quilômetros.

A antiga Medina podia, às vezes, ser brutal e rebelde, mas era tolerante. Os habitantes dos guetos marginalizados aderiram a uma das mais radicais ideologias com um furor implacável porque estão em guerra contra a própria sociedade marroquina. A adoção da ideologia takfirista é uma conseqüência da exclusão crônica dessa população e da ausência de sentimento de vínculo com a nação. Deve-se acrescentar que, nessas favelas esquecidas pelo Estado, a população, que vive de maneira clandestina, não tem documento de identidade por não dispor de um domicílio legal8. Os outros consideram-nos, aliás, como “não marroquinos”. Um habitante dos conjuntos residenciais reservados aos muwadafin (pequenos funcionários da administração) declara, por exemplo: “Aqui, vivem povos Sahraoui, Chaouia, gente de tudo que é canto [... ]. Mas eu não sou como eles, sou marroquino”.

Regularmente são registrados centenas de casos de violência, de agressões e até de execuções, sem que a polícia interfira

A extrema violência takfirista tem suas raízes nesta ruptura entre uma população desintegrada da periferia das cidades e o resto da sociedade. O desaparecimento de referências sociais e culturais, bem como as condições de clandestinidade em que vive parte da população dessas favelas fundamentalistas, acabou por romper o vínculo social entre os excluídos. O enorme ressentimento em relação ao mundo encontrou no takfir, ideologia de combate à apostasia, um sistema ideológico apropriado. Em menos de uma década, este sistema conseguiu arregimentar os jovens dessas áreas, retirá-los de seu isolamento e mobilizá-los em favor de uma violência política voltada contra o país como um todo, inclusive contra as suas próprias famílias.

Zonas sem lei

Foi assim que, em Sekuila, um ex-delinqüente promovido a “emir” executou seu próprio tio, que ousou desobedecer às “leis” de proibição de consumo de álcool estabelecidas pela milícia. Regularmente são registrados centenas de casos de violência, de agressões – e até de execuções – das quais são vítimas os habitantes das Karyan fundamentalistas, sem que a polícia interfira nessas zonas sem lei.

Na periferia de Salé, encontra-se um imenso subúrbio ocioso, um aglomerado anárquico e interminável de barracos de concreto que serve de reduto ao xeique Hassan Kettani, 33 anos, diplomado em Administração de empresas e guia espiritual do movimento salafista. Perdido no fundo de um beco escuro, vê-se um barracão conhecido como mesquita de Meca, que funcionou como local de orações e reuniões para este chefe fundamentalista e simpatizantes do movimento, até que fosse fechado, pouco tempo depois dos atentados suicidas de 16 de maio de 2003. Todavia, em todos os bairros em ruínas do país, o número de locais clandestinos de reunião aumentou consideravelmente, embora não mantenham vínculos com mesquitas nem com os locais de culto tradicionais.

Em Casablanca, a mesquita Si Larbi, de Sidi Moumen, é semelhante à de Salé. Construída em zinco e pintada com cal, ela serviu de local de reunião e leitura de sermões para os integristas autores dos atentados suicidas. Em Meknes, na favela do “emir” Rebaa, chefe do grupo Al hijra wa al takfir, “a mesquita dos terroristas” foi instalada sobre a laje de um casebre de concreto. Nas ruas desses subúrbios extremistas, o número considerável de homens e mulheres vestidos à moda salafista comprova que o salafismo takfirista não se limita a um pequeno grupo de ativistas, mas que conta, na verdade, com uma base formada pela população. Seu modo de vida e os espaços de culto informais refletem o estado de decomposição cultural desses bairros e explicam por que esses subúrbios manifestam um antagonismo profundo em relação às instituições tradicionais, como mesquitas do Estado, chamadas de habous, medersas (escolas corânicas) e confrarias tradicionais.

Ruptura definitiva

O engajamento de novos ativistas é condicionado à ruptura com a família, a administração pública e a sociedade

A milícia takfirista forma uma seita fechada, na qual o engajamento político dos ativistas e adeptos é condicionado pela ruptura definitiva com a família, a administração pública e a sociedade. Assim, os takfiristas organizam atos violentos que, segundo eles, consistem em “expulsar o mal” e “fomentar o bem” dentro do gueto. Substituindo o proselitismo e a “palavra sagrada” pela injunção da violência – a “dialética do punho”, diziam, antigamente, os fascistas –, eles marcam uma ruptura profunda com uma estratégia política de sedução, preferindo lançar uma ação de depuração, pois consideram a população perdida para sempre “nas trevas deste mundo”.

Desde pelo menos 1999, a coerção exercida contra a população nas aldeias pobres do subúrbio tem sido implacável. A extorsão de mokadem (policiais civis), de personalidades locais e de representantes do Estado em Fez, Meknes e outras cidades alastrou-se para diversas profissões e diversos meios sociais, sem nenhum tipo de discriminação. Até vizinhos e parentes próximos dos ativistas foram vítimas de sentenças de morte. A intensidade da violência reflete, assim, a evolução dos grupos takfiristas em direção à depuração progressiva da ordem social local.

Contrariamente ao que aconteceu na Argélia durante a guerra civil, nos anos 90, os grupos takfiristas marroquinos são organizados em facções autônomas, divididas em minúsculos grupos e sem comando unificado. A matriz ideológica desta violência fundamentalista é a mesma que a do Grupo Islâmico Armado (GIA) e do Grupo Salafista para a Pregação e o Combate (GSPC), ambos argelinos. No entanto, o número de ativistas no Marrocos é menor, sendo limitado a pequenas unidades locais. A organização dos grupos marroquinos é incomparavelmente mais fraca que a do movimento salafista armado da Argélia, que reunia, no início do conflito, em 1992, mais de 65 mil ativistas engajados nas fileiras do GIA9. No caso do Marrocos, mesmo se a base é mais numerosa, o número de ativistas foi avaliado em algumas centenas.

Reação à repressão

A repressão aos islamitas pode ser útil aos salafistas ultra-radicais, que se torna opção para os revoltados contra a sociedade

A analogia com a crise e o conflito na Argélia é válida, sobretudo, no que se refere à ideologia. Efetivamente, o jogo de alianças e de subordinação do PJD (partido islâmico marroquino) em relação ao governo do país contribui para o controle da violência terrorista, pois propõe uma alternativa e uma estrutura que visam a contrabalançar um eventual crescimento do salafismo takfirista em outros bairros populares caracterizados por uma maior fragilidade.

Na Argélia, a proibição e o desmantelamento da Frente Islâmica de Salvação (FIS), por ocasião da suspensão do processo eleitoral, em 1991, alimentou organizações de resistência armada ao longo dos anos 1992 a 1995. A experiência dramática desse país comprova que, na verdade, a proibição e a repressão dos islamitas pode ser útil aos salafistas ultra-radicais, que, assim, conseguem recrutar islamitas revoltados contra a sociedade.

A prática de violência política do movimento takfirista marroquino remonta a 1999. A constituição dos grupos do “emir” Rebaa’, em Meknes, e do grupo Sirat Moustakim (O Bom Caminho), em Casablanca, corresponde ao momento de implementação do plano de desmantelamento da estrutura de segurança pública herdada da era autoritária do rei Hassan II. Quando, em 13 de novembro, o Ministro do Interior, Driss Basri, homem que exerceu uma grande influência nas duas últimas décadas do regime de Hassan II, foi destituído, o cientista político marroquino Mohammed Tozy declarou que este evento “poderia ter abalado as bases de todo o sistema10 ”. A exoneração do “vizir” e a destituição de altos responsáveis do governo que faziam parte do seu círculo político foram efetivadas sem uma real reforma e sem uma adaptação da estrutura de segurança pública à nova conjuntura do país.

Poder público ausente

A formação de pequenos grupos takfiristas teve como pano de fundo a desagregação da estrutura policial

Assim, a formação de pequenos grupos takfiristas teve como pano de fundo a desagregação da estrutura policial, que abandonou brutalmente os bairros mais problemáticos dos subúrbios nas mãos de delinqüentes. Ora, esses mesmos delinqüentes são amplamente utilizados como agentes de aliciamento e reconversão das milícias fundamentalistas. Desta forma, o desmoronamento da estrutura de segurança pública constituiu o momento chave que permitiu a organização dos adeptos da ideologia takfir em grupos armados locais vinculados a redes internacionais.

Os atentados de Casablanca revelaram a fragilidade do dispositivo de segurança pública: nenhum membro do grupo do “emir” Fikri tinha ficha na polícia, embora fossem delinqüentes e antigos criminosos. Por falta de medidas preventivas e de adaptação ao novo contexto político, o desmantelamento do sistema de “catalogação” dos habitantes de cada bairro, instaurado durante o período de governo autoritário, também contribuiu para o crescimento de grupos terroristas.

A crescente importância adquirida pelo braço armado do takfirismo corresponde igualmente ao forte aumento do número de marroquinos “djihadistas” que partiram para o Afeganistão entre 1999 e 2001. Segundo informações fornecidas por um oficial, “78 marroquinos participaram da primeira guerra do Afeganistão contra os soviéticos (…). A partir de 1999, dezenas de pessoas viajavam com destino ao Afeganistão em determinadas semanas11 ”. Hoje, esses marroquinos “afegãos” da segunda geração organizam ações de cunho internacional, como os atentados que abalaram Madri em março de 2004, enquanto que as ações locais são efetuadas sob a responsabilidade de grupos originários dos subúrbios.

O mesmo fenômeno foi observado na Argélia. A transição política e “o advento da democracia”, em 1989-1992, constituíram um momento decisivo para a explosão da violência política no país. O enfraquecimento da toda-poderosa Segurança Militar, que na época fora qualificado de simples “reestruturação” deste organismo alicerce do regime, bem como a degradação das estruturas administrativas e do setor público sob o efeito da liberalização econômica, deram origem ao abandono de distritos inteiros dos arredores da capital, Argel, nas mãos de milícias fundamentalistas takfiristas que haviam formado o GIA. Por outro lado, note-se que, até hoje, não houve atentados suicidas dentro do território argelino. Por enquanto, só a reunificação das milícias fundamentalistas das diferentes cidades em uma organização nacional poderia constituir um risco para o Marrocos. É verdade que os grupos marroquinos, até agora, estão divididos em minúsculas organizações que não dispõem de um comando unificado. Mas até quando?

(Trad.: Maria Marques-Lloret)

1 - Cf. Gilles Kepel, Prophète e Pharaon (Profeta e Faraó), ed. La Découverte, Paris, 1982.
2 - Em relação ao componente takfirista na Argélia no final dos anos 1980-1990 e suas ramificações internacionais, ver a obra de Camille al Tawil, Le mouvement islamique armé algérien (O movimento islâmico armado na Argélia), ed. Dar al Nahar, Beirute, 1998 (em árabe).
3 - O salafismo é um movimento islâmico que situa suas origens em ancestrais devotos, em Maomé e seus seguidores e em um retorno ao islã original. Amplamente implantado na Arábia Saudita, o ramo majoritário do movimento salafista, aliado à monarquia, é contrário à violência.
4 - Três outros “teóricos” foram igualmente implicados nos atentados de 16 de maio de 2003: Miloudi Zakaria, 37 anos, dirigente da associação Assirat Al Mostaquim, Abdelkrim Chadli, 45 anos, doutor em Filosofia, e Omar Haddouchi, 44 anos, comerciante ambulante. O primeiro foi condenado à prisão perpétua e os dois outros a trinta anos de prisão.
5 - Enquete sociológica realizada pela autora, no início de 2004, com o patrocínio do Cadis (laboratório de pesquisas da École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris) e da DAS.
6 - Ler Olivier Roy, “Al-Qaida, organisation ou label?” (Al-Qaeda, organização ou rótulo?), Le Monde diplomatique, setembro de 2004.
7 - Nas favelas vivem cerca de 10 % da população urbana marroquina. No caso de Casablanca, os habitantes das favelas representam aproximadamente 300 mil pessoas, ou seja, 8,6% da população da região – sabendo-se que na Grande Casablanca vivem cerca de 6 milhões de habitantes. Bladi.com, 9 de setembro de 2003.
8 - Na Grande Casablanca, por exemplo, o número de famílias instaladas nos bairros clandestinos é estimado em 160 mil, o que representa mais de 25% das famílias da região.
9 - As referências ao GIA são feitas no singular a partir de 1992 e no plural antes desta data, que marcou a reunificação dos jamaat (grupos) islâmicos armados em um Jamaa (o grupo) islâmico armado, sob o comando de Mohamed Allel, sucedido por Abdelhak Layada.
10 - Mohammed Tozy, “Nouveau règne ou nouveau régime: les enjeux de la succession” (Novo reino ou novo regime: as questões envolvidas na sucessão), Les Cahiers de l’Orient, 2° trimestre de 2000, página 63.
11 - Le Figaro, 22 de março de 2004. Em relação ao primeiro período, esses dados são relativizados por outras fontes, que avaliam em 600 o número de “afegãos” em 1990.




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