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Há soluções perfeitamente viáveis para alimentar os 850 bilhões de seres humanos que passam fome. Elas não estão relacionadas à genética, mas à valorização do saber camponês e à redivisão de riquezas
- (01/04/2006)
Entre os 6,5 bilhões de pessoas que povoam o planeta, mais de 850 milhões passam fome, e quase dois bilhões sofrem de desnutrição, de falta de proteínas, de vitaminas e de elementos minerais em quantidade suficiente. As companhias fabricantes de sementes transnacionais afirmam que as plantas geneticamente modificadas (PGM) podem contribuir para a resolução desse problema. Que credibilidade pode se dar aos seus argumentos?
As populações cuja alimentação é insuficiente são, em mais de dois terços, famílias camponesas minifundiárias (pequenas propriedades), equipadas com instrumentos exclusivamente manuais e dotados de sistemas de cultura e de criação insuficientes para se alimentar ou permitir compra de alimentos. A essas se acrescentam as famílias que, empobrecidas ou endividadas ao extremo, amontoam-se em favelas sem conseguir encontrar emprego. Portanto, é por meio do aumento da produtividade e dos rendimentos agrícolas dos camponeses mais pobres que se conseguirá reduzir a predominância da fome e da desnutrição no mundo.
Mas nada indica que o uso dos PGM permita atingir esse objetivo. Do ponto de vista técnico, as soluções prioritárias devem associar as culturas que combinam diversas espécies e variedades, complementares no espaço e no tempo, especialmente as capazes de:
interceptar o melhor possível os raios solares e transformar o máximo de energia luminosa em caloria alimentar, por meio da fotossíntese;
produzir proteínas pela fixação do nitrogênio do ar, graças às leguminosas com as quais bactérias fixadoras podem viver em simbiose;
favorecer a exploração máxima dos solos pelas raízes e as transferências verticais de minerais para a superfície, via produção de biomassa aérea, queda das folhas e sua decomposição na camada arável;
assegurar cobertura vegetal máxima dos terrenos e os proteger da agressividade dos agentes de erosão (chuvas tropicais, águas de corredeiras, ventos violentos etc.);
colocar o máximo de matérias orgânicas nos campos cultivados, favorecendo a produção de húmus no seu interior;
fazer barreira à propagação e à proliferação de eventuais insetos predadores e agentes patogênicos.
Variedades rústicas, que sobrevivem em condições aleatórias, permitem limitar os riscos de péssimas colheitas, o que é crucial para os camponeses precários. Um exemplo é o sucesso recente do arroz pluvial Nerica no oeste da África. Resultado da hibridação clássica entre espécies de arroz africana e asiática, esta variedade rica em proteínas resiste bem à seca... sem modificação genética.
Igualmente, convém associar agricultura e criação, de forma a valorizar os resíduos de cultura na alimentação das manadas e utilizar os dejetos animais para o fabrico de adubo sem transportes excessivos. Mas ainda seria preciso que os camponeses tivessem acesso aos meios de produção necessários: animais de tração, carroças para o transporte das matérias orgânicas, terra em quantidade suficiente etc. Trata-se muito mais de um problema de distribuição dos recursos do que um negócio de genética.
Camponeses do terceiro mundo dispõem de uma sabedoria "natural" subutilizada. É assim nas associações de cultura dos "jardins crioulos" do Haiti e em numerosas ilhas caribenhas. Da mesma forma, certas sociedades da África sudano-saeliana semeiam os cereais sob parques arvorados de Acácia Albida, leguminosa cuja folha constitui uma excelente forragem para os animais, e serve também à fertilização do solo. Os camponeses do delta do Rio Vermelho cultivam em seus arrozais cianobactérias que contribuem para a fertilização nitrogenada do solo. E a criação de patos, não é um meio eficaz para lutar contra os insetos predadores do arroz?
Certamente, todos os sistemas podem ser aperfeiçoados e os agrônomos não deixam de trabalhar no reconhecimento dos ecossistemas freqüentemente complexos, cujas múltiplas potencialidades produtivas devem ser tratadas. De certo ponto de vista, nada indica que genética seja o fator que limita a produção e rendimento agrícolas, e que os OGM possam ser úteis aos camponeses pobres. As multinacionais teriam investido maciçamente no desenvolvimento das PGM para entregar depois suas sementes aos camponeses mais empobrecidos do terceiro mundo? As sementes de soja, de milho e de algodão transgênicas são utilizadas nos países do Sul, em grandes latifúndios no Brasil, na Argentina e na África do Sul. Não se tem notícia de que tenham eliminado a miséria dos camponeses sem terra, das populações das favelas e de outros excluídos.
(Trad.: Marcelo de Valécio)