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Para o conjunto da esquerda a derrota nas eleições presidenciais é decisiva. Marca o fim de uma era. E força a uma indispensável refundação
- (21/06/2007)
Há algo de fascinante nessa espécie de passo do tigre que, na França, conduziu Nicolas Sarkozy à presidência da República. O inegável gênio político que mostrou ao longo de toda a campanha – uma mistura de voluntarismo, autoridade, personalização, provocação, nacionalismo e liberalismo – conjugado a uma brilhante arte de oratória e uma temível inteligência nas comunicações de massa permitiram-lhe, devido também ao apoio maciço do poder midiático e do poder econômico, impor-se com uma clareza óbvia.
O que também provocou espanto foi a desenvoltura intelectual que levou Sarkozi a transitar sobre as linhas de demarcação que separam a direita e a esquerda. Analistas se interrogavam se essas linhas tinham se movido empurradas pela mundialização liberal. Sarkozy foi claro. E provou, pela composição do seu primeiro governo, que o perímetro da direita inclui, agora, uma boa parte do Partido Socialista, ou sua ala “social-liberal”. A esse respeito, o novo Executivo (do qual não menos de quatro membros – Bernard Kouchner, Eric Besson, Jean-Pierre Jouyet e Martin Hirsch – vêm da esquerda) reflete a “direitização” da sociedade francesa.
Uma direitização paradoxal, já que o sofrimento social não parou de aumentar. Desde 1995, as lutas sociais continuam vivas, num mundo trabalhista duramente golpeado pela precarização, subcontratação, deslocalizações e desemprego. A era do gaulismo termina, substituída pela do sarkozysmo, ou seja, um populismo francês que – sedutor pela ilusão de movimento e abertura qualificada de “moderna”, ou mesmo de “progressista” – propõe reunir em seu seio todas as direitas, dos lepenistas aos sociais-liberais, sem esquecer os centristas. E cujas fontes principais de inspiração são o modelo republicano neoconservador dos Estados Unidos, Silvio Berlusconi na Itália e José María Aznar na Espanha. Três experiências negadas recentemente pelos eleitores de tais países, diga-se de passagem.
O novo fracasso da esquerda constitui, em primeiro lugar, uma derrota intelectual. Não ter produzido – seja por imobilismo, ruptura com as camadas populares ou incapacidade – uma nova teoria política para a construção da França mais justa, enquanto todas as estruturas da sociedade foram sendo desarrumadas há 15 anos pelo brutal desmoronamento da União Soviética e pelo desenvolvimento devastador da globalização neoliberal, terminou por se revelar suicida. A esquerda perdeu a batalha das idéias, desde que sua experiência governamental a levou a congelar salários, fechar fábricas, suprimir empregos, liquidar os bolsões industriais e privatizar uma parte do setor público. Resumidamente, desde que aceitou a missão histórica, contrária à sua essência, de “adaptar” a França à globalização, “modernizando-a” à custa dos assalariados e em proveito do capital. Aí está a origem da derrota atual.
Despejar sobre a grande mídia – que constitui o aparelho ideológico principal do sistema – a responsabilidade da derrota é uma queixa infantil ou de impotência. Porque a nova hierarquia dos poderes, estabelecida pela mundialização neoliberal, coloca, evidentemente, em primeiro lugar o poder econômico e financeiro, seguido do poder midiático, mercenário do anterior. Esse duo dominante controla o poder político, o qual, nas democracias de opinião e na era da globalização, só se conquista com o consentimento cúmplice das finanças e dos que controlam a economia.
A “esquerda da esquerda” tampouco considerou que, apesar da riqueza das suas propostas, ofereceu apenas um espetáculo desalentador de desunião e egoísmo.
Para o conjunto da esquerda essa derrota é decisiva. Marca o fim de uma era. E força a uma indispensável refundação. Para construir, enfim, como se diz nesses tempos na América Latina, um “socialismo século 21”.
Tradução: Marcelo de Valécio
marlivre@gmail.com