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Editoras e mídias alternativas surgem como contraponto aos grandes conglomerados da imprensa. Uma maneira de inverter a postura panfletária, acrítica e maniqueísta da mídia oficial, propondo uma visão pluralista e independente

André Schiffrin - (16/10/2007)

Antes mesmo do ataque contra o Afeganistão, a secretária de Estado Condolezza Rice convocou os responsáveis pelas redes de televisão norte-americanas para comunicar que o governo não queria ver civis feridos em suas programações. Consciente da imensa influência que esse tipo de informação tivera na construção de um movimento de oposição à guerra do Vietnã, a administração de George W. Bush quis estabelecer um sistema de autocensura, que funcionou perfeitamente nos dois primeiros anos da guerra, enquanto a imprensa aceitou as mentiras do governo.

Essa colaboração implicou não somente as mídias, mas também o mundo editorial. Nenhuma das editoras pertencentes aos grandes conglomerados – os cinco mais importantes controlam 80% dos livros destinados ao grande público – lançou uma única obra crítica sobre a guerra e a política estrangeira de Bush. Se vários livros foram publicados, isso se deu pelas pequenas editoras independentes – sendo a escolha editorial dos grandes conglomerados determinada mais por razões políticas do que comerciais. De fato, existia um imenso público antiBush. Assim, quando a modesta editora Seven Stories lançou o pequeno livro de Noam Chomsky após o 11 de setembro, foram vendidos 300 mil exemplares, um recorde, em apenas algumas semanas. [1]

Quando a situação política começou a se deteriorar, os principais jornais e as grandes editoras finalmente decidiram publicar as inúmeras obras críticas que se tornaram best-sellers.

A importância dos editores e das revistas independentes é clara. A maneira como surgem e se mantêm em atividade não é tão evidente. Seu número aumentou de maneira impressionante nos últimos anos, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa. Na França, um recente encontro reuniu dezenas de pequenas editoras alternativas, a maioria editoras de literatura e poesia, mas também alguns editores políticos. [2] Estes últimos desempenham um papel cada vez mais importante, pela escolha de autores e temas considerados muito arriscados pelas grandes editoras. [3] Eles também foram os primeiros a publicar autores como Chomsky, o historiador norte-americano Howard Zinn (Agone) ou os teóricos Judith Butler e Stuart Hall (Amsterdam).

Esse é um fato que diz muito sobre a indústria editorial francesa: ultimamente, várias obras indispensáveis tiveram de ser publicadas na Bélgica. Os leitores do Monde diplomatique conhecem muito bem a saga de Eric Hobsbawn e sua história do século XX, A era dos extremos, cujo original publiquei nos Estados Unidos em 1990 e que fora traduzido em dezenas de línguas menos em francês. Os grandes editores estavam convencidos de que não haveria lugar nas livrarias da França para o trabalho de um antigo comunista; na Gallimard, até mesmo Pierre Nora reconheceu isso. Foi somente após a intervenção do “Diplo” que uma editora belga Complexe se interessou pelo livro e o transformou num best-seller [4]. Uma história que se assemelha à da nossa recente coleção dos discursos de Chomsky, Understanding Power. Apesar da venda de quase 100 mil exemplares nos EUA, não estávamos conseguindo encontrar um editor francês, até que uma pequena editora independente belga, Aden, finalmente se propôs a publicá-lo. [5]

Um sinal particularmente encorajador: duas editoras francesas se lançam na publicação de revistas neste final de ano. A Amsterdam publicará La Revue Internationale des Livres et des Idées, tentando assim uma versão francesa da London Review of Books. Por sua vez, a Les Arènes prepara uma revista em formato de livro que apresentará reportagens originais de vários repórteres cujos jornais não dão mais espaço para longos artigos de análise. Essas novas publicações encontrarão as mesmas dificuldades de distribuição e financiamento que todas as pequenas editoras, mas seu surgimento marca o início de uma etapa promissora.

A grande vantagem dessas pequenas editoras é que elas não precisam de um grande capital. Talvez os grupos poderosos tenham acesso a somas milionárias, mas um ótimo catálogo pode ser viabilizado com alguns milhares de euros. Bastam um ou dois mil euros para imprimir uma pequena tiragem, que com um pouco de sorte será rentabilizada em um período relativamente curto. Durante séculos, a edição de livros foi principalmente artesanal, e ainda pode funcionar dessa maneira.

A maioria das pequenas editoras sobrevive remunerando muito mal a sua equipe – todos os empregados da Agone recebem o Smic (salário-mínimo) – ou não pagando o editor ou o redator-chefe – é o caso da editora dos meus primeiros livros traduzidos na França, La Fabrique. Essa situação além de não ser ideal não pode durar indefinidamente. Mas isso significa também que o auxílio de que um editor independente necessita pode ser relativamente modesto. Vários modelos foram experimentados através do mundo. O mais conhecido talvez seja o da Raisons d’Agir, criada por Pierre Bourdieu quando suas pesquisas sobre a indústria da edição mostraram que as maiores editoras colocavam sérios limites à sua produção política e intelectual. No começo, Bourdieu instalou sua pequena editora em seu escritório no Collège de France, tendo como equipe somente um assistente e ele próprio. Apesar disso, muitos livros publicados venderam muito bem, alguns até mesmo centenas de milhares de exemplares. A utilização do espaço universitário – e de um salário de professor – também foi aplicada em outros lugares com excelentes resultados. Quando criamos a The New Press, nos ofereceram escritórios em um dos prédios mais decrépitos da Universidade da Cidade de Nova York, o que possibilitava a economia de centenas de milhares de dólares de um aluguel que não poderíamos pagar. Não há qualquer razão para que outras universidades não possam dividir dessa maneira os seus espaços. Até mesmo pequenas cidades doaram prédios de escolas desafetadas a alguns editores, mostrando assim que as municipalidades progressistas podem ter um gesto, mesmo quando os governos nacionais não estão dispostos.

Em Estocolmo, Ordfront propõe um outro modelo interessante. Esse grupo organizou uma cooperativa de leitores de aproximadamente 30 mil membros, que pagam anualmente uma modesta cota de 20 Euros, que lhes dá direito a assinatura de uma das melhores revistas suecas, possibilitando à editora Ordfront a publicação de dezenas de títulos a cada ano. Basta que 10% dos membros comprem um livro, e as despesas são amortizadas. Essa experiência se revelou bem mais convincente que as cooperativas de autores experimentadas na Suécia e na Alemanha, que acabaram em meio a rivalidades e ciúmes.

Um último modelo possível é o o que seguimos quando deixei a Pantheon Books, editora que dirigi por aproximadamente 30 anos, em Nova York. Perante as crescentes exigências de rentabilidade por parte do novo grupo proprietário, decidi que uma editora sem fins lucrativos seria a única maneira de continuar sem comprometer a qualidade intelectual. [6] Na realidade, criamos o equivalente a uma imprensa universitária sem universidade, o que nos permitiu visar um público mais amplo. Este ano, a The New Press comemora seu 15º aniversário, com cerca de 80 títulos publicados por ano. Muitos foram os que, no meio editorial nova-iorquino, acreditavam num fracasso... Mas nós comtamos com o excepcional apoio da maioria dos autores que publiquei e com uma ajuda substancial de um grande número de fundações norte-americanas mais esclarecidas, que há muito tempo compreenderam que, nos EUA, a atividade cultural, a música, a dança, o teatro e até mesmo a televisão inteligente não poderiam sobreviver num contexto capitalista, e quiseram estender essa lógica ao mundo editorial.

O que é possível nos EUA nem sempre é possível em um outro lugar. No entanto, esse gênero de financiamento já auxilia alguns dos melhores jornais europeus. Na Inglaterra, o The Guardian e sua edição dominical, The Observer, pertenceram por muito tempo a uma fundação (The Scott Trust), bem como o alemão Frankfurter Algemeine Zeitung e a maior parte dos jornais dinamarqueses.

O fato que jornais e editoras de livros pertençam a fundações independentes, sem fins lucrativos, ou a cooperativas pode se revelar o meio mais promissor de preservar uma autonomia política e cultural. Essa solução poderia ter evitado que importantes editoras como Le Seuil e Einaudi fossem vendidas a conglomerados cujo principal objetivo é o aumento do seu lucro (durante séculos, o meio editorial ocidental conheceu uma taxa de lucro anual de 3% a 4%; os grandes conglomerados desejam pelo menos 10%, ou até mesmo 15%, o que altera completamente a natureza do que pode ser publicado). [7]

O filósofo alemão Jürgen Habermas escreveu recentemente um texto conclusivo propondo estender essa solução ao mundo da imprensa. [8] Observando que o mais importante jornal alemão de centro-esquerda, o SüddeutscheZeitung, poderia ser vendido a um conglomerado, ele defende a idéia de uma compra realizada por uma fundação de Estado. Essa perspectiva aparentemente não foi aceita na Alemanha, país que tem tristes lembranças do controle estatal. Mas os exemplos bem-sucedidos da Arte (com a Alemanha) e da France Culture ilustram bem a possibilidade de se pôr em prática um apoio governamental para as mídias. Da mesma forma, na França, a indústria cinematográfica e vários cinemas se beneficiaram durante anos de subvenções consideráveis sem, por isso, terem sofrido qualquer censura. Nos países ocidentais, o rádio e a televisão foram em um primeiro momento considerados como tendo um importante papel intelectual e cultural a desempenhar. Nos EUA, até mesmo um presidente conservador como Herbert Hoover decidiu que todas as estações de rádio deveriam ser instaladas em universidades para evitar o controle comercial. As receitas da BBC vêm de um imposto sobre todos os aparelhos de rádio (e agora de televisão) que vai diretamente para os seus cofres, impedindo o controle governamental. Uma quantia que representa atualmente cerca de 200 euros por residência. Por que tais métodos não poderiam ser aplicados no apoio a jornais e editores independentes? Uma taxa sobre as receitas publicitárias ou outras poderia ser estabelecida para garantir a estabilidade econômica das mídias que tentam existir sem publicidade.

Habermas defende com eloqüência que a vitalidade do debate democrático depende da capacidade de intervenção do governo para garantir que uma pluralidade de opiniões seja acessível a um público amplo. Mesmo nos EUA, tais questões podem mobilizar a opinião pública. No âmbito de uma campanha conduzida por organizações não governamentais tanto de esquerda como de direita, mais de 3 milhões de cartas foram enviadas ao Congresso para protestar contra os planos de Bush, que queria dar mais poder aos grandes conglomerados. As pequenas editoras de livros e revistas aqui citadas lutam de forma corajosa contra situações econômicas difíceis, que poderiam muito bem, a longo prazo, obrigar um certo número delas a abandonar a luta. Por que essas empresas com recursos tão limitados não poderiam ser mantidas por uma ação legislativa?

O Estado francês ajuda as novas empresas responsabilizando-se pela metade dos empréstimos necessários para que elas iniciem as atividades. Neste momento, esse apoio não se aplica nem às cooperativas nem às fundações. Mas nenhuma editora se recusaria a ser adquirida por um proprietário desse gênero, sem fins lucrativos, que lhe permitiria prosperar tranqüilamente. Tal possibilidade teria permitido aos diretores da Seuil uma outra escolha; idem para os acionistas do jornal alemão Süddeutsche [9] (nos dois casos, trata-se de empresas familiares, o que é muito comum no mundo editorial). O aumento do controle das mídias pelos conglomerados tem conseqüências políticas e intelectuais perigosas. Ainda é tempo de inverter essa ameaça global.



[1] Noam Chomsky. Power and Terror: Post-9/11. Talks and Interviews. Nova York: Seven Stories Press, 2003.

[2] Os primeiros Encontros da Edição Européia Independente [Rencontres de l’édition européenne indépendante] aconteceram de 31 de maio a 1º de junho, em Lurs et Forcalquier (Alpes de Haute Provence), por iniciativa de Editer en Haute Provence (Le Grand Carré, avenue des Martyrs de la résistance, 04300 Forcalquier; editerhauteprovence@free.fr).

[3] Principalmente Agone, em Marselha (atheles.org/agone), e Arènes (arenes.fr), bem como Amsterdam (editionsamsterdam.fr), em Paris, cujo papel foi essencial. Uma nova editora, Demopolis, dará os seus primeiros passos no fim deste ano.

[4] Eric Hobsbawn. L’Age des extrêmes. Bruxelas-Paris : Complexe / Le Monde diplomatique, 2003.

[5] Noam Chomsky, Comprendre le pouvoir. Bruxelas : Aden, 2006.

[6] Ler a narrativa dessa experiencia em André Schiffrin. L’Edition sans éditeurs. Paria : La Fabrique, 1999.

[7] Ler André Schiffrin. Le Contrôle de la parole. Paris : La Fabrique, 2005.

[8] Le Monde, 22 de maio de 2007.

[9] Mesmo sendo um jornal da Bavária, o Süddeutsche Zeitung é um dos três maiores jornais diários da Alemanha.


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