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O PÓS-GUERRA IMPERIAL

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“Toda a cidade de Tetelmünde estava em chamas; uma tocha grandiosa, iluminada pelo furor ancestral dos obcecados, nos quais, inesperado, exigindo seus direitos, renascia o principal instinto do homem: a destruição.”

Valerio Evangelisti - (01/05/2003)

As reflexões do sinistro e obsessivo livro de Ernst von Salomon poderiam talvez ser comparadas à agressão armada de George W. Bush contra o Iraque

Um dia, ainda se irá considerar Les Reprouvés (Os Proscritos), de Ernst Von Salomon1, como uma das obras-primas da literatura do século XX. Para tal, será necessário superar a odiosa substância do romance (a triste epopéia das tropas irregulares alemãs após a I Guerra Mundial e sua marcha rumo à morte, das terras do Báltico até o assassinato de Walter Rathenau2), sua narrativa dos piores crimes cometidos do lado alemão (que ele nos faz compreender com honestidade) para melhor enfatizar os do lado adversário, assim como o fato de que o livro se tornou um texto cult para uma extrema-direita cada vez mais odiosa. Muito sinistro, obsessivo e poderoso, este livro traduz com perfeição a voluptas necandi (negação da vontade) de uma armada que não tem qualquer outra referência ideal que não a si mesma (com valores como o da honra abstrata ou o da camaradagem viril), nem outro objetivo que não o massacre sistemático do adversário. Uma horda de bárbaros, portanto, avançando rumo à sua própria destruição, assim como à do outro; mas, também um arquétipo quase perfeito, aplicável a qualquer guerra sem um verdadeiro motivo.

Poderia parecer audacioso retomar as duras reflexões de Von Salomon e compará-las com a agressão armada de George W. Bush contra o Iraque. Ali, as tropas vencidas, atormentadas por um derradeiro sobressalto assassino; aqui, a principal potência mundial atacando um inimigo infinitamente mais frágil. Ali, a idéia da honra que, em sua futilidade e sua abstração, eleva-se à dignidade paradoxal de móbil; aqui, um entrelaçado de interesses mesquinhos, políticos e alimentícios, cuja diversidade torna difícil desvendar o principal. Ali, o silêncio obstinado sobre seus próprios motivos diante da mediocridade burguesa; aqui, uma exposição demente e grotesca de álibis para conquistar ou neutralizar uma opinião pública mundial reticente e hostil. De um lado, heróis desprezíveis; do outro, homens desprezíveis (Bush, Aznar, Blair, Berlusconi), debatendo- se desengonçados, como marionetes, para parecerem heróis.

"Interesse norte-americano"

O “interesse norte-americano” usa a democracia política, a liberdade individual e o liberalismo econômico para se fazer coincidir com o interesse universal

No entanto, apesar das diferenças, é necessário partir de Von Salomon para compreender a natureza íntima do conflito que temos sob nossos olhos. A eleição controvertida de George W. Bush para a Presidência dos Estados Unidos foi considerada como uma mera alternância de duas idéias da política: uma democrata; a outra, republicana. Foi um equívoco. Foi um visão diferente do mundo – e, ouso dizer, da vida – que conquistou o trono que domina o planeta. É claro que não se trata de uma visão radicalmente diferente das idéias democratas (quem pensava que William Clinton seria uma espécie de socialista, fechou os olhos hipocritamente às execuções, por pena de morte, que o fizeram subir nas pesquisas), mas seguramente manifestadas de uma forma menos filtrada e mais brutal.

Na raiz desta Weltanschauung (visão do mundo) está (ou parece estar, veremos) o “interesse norte-americano”, transformado em valor absoluto e que tentam fazer coincidir com o interesse universal por meio de uma série de princípios gerais, entre os quais: a democracia política, a liberdade individual e o liberalismo econômico – que pode enriquecer o indivíduo e, por tabela, o país e o mundo inteiro. Para essas pessoas, tudo pode ser discutido, exceto o lugar do interesse nacional norte-americano cuja gratidão é exigida de todos, ainda que sua reprodução não seja solicitada no plano local. Só importa uma coisa: que o vassalo jure fidelidade ao suserano em nome da nobreza de seu sistema; feito isso, ele poderá, ou não, conformar-se. Não deve temer senão a sua própria revolta, através da qual viraria as costas, não a um poder, mas a um conjunto de concepções mais ético do que político.

Ética do massacre

Com uma expansão geográfica impressionante, os EUA realizaram a conquista de sua "fronteira interna" recorrendo sistematicamente ao massacre e aos assassinatos

Até aqui, o discurso é banal. Será menos, porém, se pensarmos em Von Salomon:

“Partimos para defender as fronteiras e conquistamos uma província. Pensávamos que a Alemanha deveria ir longe, com sua força. Estávamos decididos a defender a província, a cumprir o dever que o sangue de nossos mortos clamava obscuramente. Perigoso para os vencedores, o Báltico representava uma oportunidade alemã. Nós a agarramos”.

A expansão geográfica dos Estados Unidos é impressionante. Países conquistados pelo uso da força (uma parte do México, por exemplo), outros comprados em bloco, outros anexados por meio de promessas vãs e da corrupção (Porto Rico) e, por fim, outros forçados a abrigar zonas militares roubadas à sua soberania (a base de Guantánamo, por exemplo, embora existam inúmeros casos da mesma natureza). Seria possível argumentar que, para várias gerações de líderes norte-americanos, os Estados Unidos – tal como escreve Von Salomon – deveriam chegar tão longe quanto sua força permitisse. Para não falar da expansão interna por onde quer que existisse resistência à concepção oficial: indígenas exterminados, minorias étnicas perseguidas até a submissão, sindicalistas assassinados, greves terminadas pela ação do exército, partidos políticos proscritos, expurgos maciços e marginalização de setores inteiros da cultura.

É verdade que o mesmo ocorreu sob a bandeira da democracia (não me refiro, aqui, às ditaduras, em que o próprio direito justifica a ilegalidade). Mas em nenhum outro país a conquista da “fronteira interna” foi tão sistematicamente acompanhada pelo recurso ao massacre. Do linchamento de líderes sindicais ao triste destino da atriz Jean Seberg, de Joe Hill a Sacco e Vanzetti, aos Rosenberg, aos vários atentados contra políticos, ao extermínio dos Black Panthers, o poder recorreu ao assassinato com uma tranqüilidade desconcertante. Sem falar do que se passou na “fronteira externa”, tanto em termos de anexar quanto de subjugar. Como se a ética de fundo que serve de móbil (se é que se pode chamar de “ética” um conjunto de idéias que não concebe a vida humana como objetivo derradeiro) justificasse a morte.

Violência enraizada no cotidiano

O país foi criado por fundamentalistas cristãos, adeptos de uma leitura literal da Bíblia, o que não explica o enraizamento da violência no cotidiano

Mas, de certa maneira e por muitas vezes, foi assim no passado. E também é assim atualmente.

Por que motivos? Não se deve esquecer que o país foi criado por fundamentalistas cristãos, adeptos de uma leitura literal da Bíblia – inclusive os livros que concedem a um “povo eleito” o direito de exterminar os inimigos. Embora importante, tal motivo não é suficiente. Na verdade, esse tipo de pensamento incentiva a “demonização” total do adversário, ajuda a superar obstáculos que impeçam sua eliminação e transforma o avanço das tropas por campos de batalha sangrentos num ato solene e quase sagrado de uma cruzada.

Porém, não explica a passagem de uma dimensão coletiva para a dimensão individual. Um hipotético desejo divino pode mobilizar multidões, levando-as à violência, mas não justifica o enraizamento da violência no quotidiano, pois mesmo as passagens mais ferozes da Bíblia condenam a agressão individual. Na realidade, uma particularidade especificamente norte-americana é a de que a agressividade, principalmente em determinadas fases da história, é transferida da macrosfera para a microsfera, do poder de uma pequena comunidade para os particulares, isolados ou em grupo. Uma história de casos de linchamento – na Itália, na França, na Espanha ou na Alemanha – mereceria, em não se tratando de períodos de guerra aberta ou de guerra civil, a atenção de um pequeno livrinho. Nos Estados Unidos, entretanto, foi recentemente objeto de uma imponente exposição fotográfica, acompanhada por um volumoso catálogo3.

Justiceiros em abundância

No cinema norte-americano, por exemplo, são abundantes os heróis individualistas prontos a se tornarem justiceiros e a matar

Além da Bíblia, deve se pesquisar na lógica política ou na vocação colonial (aliás, bastante mais fraca nos Estados Unidos do que na Europa). Vejamos se Von Salomon consegue nos orientar:

“A metralhadora tremia entre meus joelhos, como um animal. Os estonianos, na ponte, despencavam, caíam enlameados, debatendo-se na água. Ocultos, compactos, os grupos abriam-se e se recompunham, em perseguição a eles. Sim, todos eles deveriam passar, todos iriam passar. Minha metralhadora cuspia fogo e a água fervia. Quase sentia me trespassar o calafrio metálico da arma de fogo penetrando nos corpos quentes e vivos dos homens. Seria uma impulsão satânica, seria eu apenas uma coisa com minha arma? Seria eu apenas uma máquina, fria e metálica?”.

Aparentemente, não há qualquer ligação, poderiam dizer. E, no entanto, o soldado, sozinho, que se funde com sua metralhadora, redescobre a velha embriaguez de matar e parece a própria representação de um egoísmo ensandecido, cuja verdadeira relação é com as coisas, enquanto a relação com os outros evidencia instintos bestiais. Isso lembra a personagem de Martin Eden, de Jack London, quando compara a vida a uma corrida de cavalos em que vence o mais rápido. Lembra o Lobo dos Mares, do mesmo London, quando o comandante Lupo Larsen, ao tentar explicar Nietzsche, oferece um condensado da ideologia norte-americana, ou, pelo menos, da ideologia do escritor (considerado, por muito tempo, socialista, o que admitia).

Quem se aventurasse pelo campo do imaginário moderno, em que a representação da ação humana é menos complexa do que a literatura e mais próxima dos sentimentos comuns, iria deparar com um arsenal de citações. No cinema norte-americano, por exemplo, são abundantes os heróis individualistas prontos a se tornarem justiceiros e a matar. É verdade que também se encontram casos semelhantes no cinema japonês, no de Hong Kong e mesmo num certo cinema italiano. Mas, na maioria dos casos, são produtos derivados.

O instinto se torna ideologia

O domínio só ficará garantido se for ampliado. Assim o instinto se torna ideologia e membro da tribo que não a adota é pior que o inimigo externo

Centremos o foco, então, sobre uma ideologia profundamente egoísta, própria de quem penetra – sozinho ou acompanhado de sua tribozinha familiar – num território selvagem e hostil. Para evitar uma possível emboscada, deve atirar primeiro. Essa atitude, no entanto, o impedirá de conhecer os motivos de seus supostos agressores: se hesitasse em eliminá-los, ficaria exposto ao perigo. Seria preferível que o nosso homem garantisse sua segurança total numa parte do território. E que segurança seria melhor do que conquistar o território vizinho, repleto de sombras confusas e ameaçadoras? Seu domínio só ficará garantido se for ampliado; se diminuir, ficará em perigo.

Nesse momento, aquilo que era instinto começa a tornar-se ideologia. O que era natural torna-se justo, o que era espontâneo começa a surgir como a inspiração de uma vontade divina. Também é nesse momento que aparece a Bíblia, embora sem grande influência: o Outro terá também, sem dúvida, uma Bíblia – ou um livro sagrado semelhante – em suas mãos.

À medida que o instinto se transforma num sistema de raciocínio, multiplica-se o número de inimigos. Os principais já não são somente os do território desconhecido. Piores que aqueles, são mais insidiosos: são os que pertencem à tribo do combatente, mas são reticentes em aceitar sua ideologia. Propõem negociações que não significam senão uma perda de tempo, procurando criar solidariedades transversais, além das fronteiras territoriais. Torna-se impossível prosseguir sem se livrar daquele peso morto. É preciso eliminá-los antes que consigam impedir uma missão que, a partir de então, passou a ser entendida como a vontade de Deus. Sem dó nem piedade: é melhor, muito melhor, ter inimigos do que traidores.

Matar sem remorsos

Os ideais e a ação passam a constituir uma única coisa – o combatente se unifica com sua prótese de metal e pode entregar-se sem remorsos à volúpia de matar

É dessa maneira que o nosso combatente avança pelo mundo, sob a ilusão de sua própria segurança – enquanto ele próprio vai multiplicando, exageradamente, o número de seus adversários. Já conta com muito mais aliados do que no início de sua missão, mas isso ainda não basta. Vêm em seu auxílio os símbolos ancestrais do ferro e do fogo. Irá decuplicar sua força destrutiva, usando armas de fogo, as bombas, os mísseis. Unifica-se a si próprio com próteses de metal. Torna-se, ele próprio, metal. É nesse instante que os ideais e a ação passam a constituir uma única e mesma coisa. Nosso combatente usufrui, então, da síntese que conseguiu: pode entregar-se, sem remorsos – e até com um impulso quase sexual – à volúpia primordial vinculada ao ato de matar. A partir desse momento, desaparece o sentimento de quem apóia o dedo no gatilho da própria metralhadora. A arma passou a ter uma alma própria e a única alegria que sente é a de estraçalhar os corpos grotescos dos estonianos amontoados na ponte, ou dos iraquianos escondidos nos porões de Bagdá.

“A guerra surgiu diante de nós, vinda das fendas mais profundas da terra, como se saísse do nevoeiro, como um fantasma sombrio; agitou violentamente as barreiras repletas de armas, agarrou-nos, bruscamente, com seu punho ardente e misturou os regimentos para melhor os dividir e os excitar, com violência, contra os campos ensurdecedores (...). Sua saliva era veneno: onde caísse, semeava fome, miséria e privação. E a guerra prosseguiu: estava por toda parte, lançava suas labaredas por todos os cantos do mundo, fuçava nos desejos mais secretos, envolvendo-os em mantos reluzentes, pintados de vermelho.”

A derrota

Além da bestialidade insana, Blair, Aznar, Berlusconi e seu patrão norte-americano têm mais algo em comum com os "Proscritos" de von Salomon: a derrota

Pode parecer inacreditável, mas, sob o olhar estupefato do mundo inteiro – mentira após mentira, hipocrisia após hipocrisia –, os “Proscritos” voltaram para decidir o destino trágico de dezenas, até de centenas, de milhares de vidas. Os heróis cansados e vencidos de Von Salomon, em sua ferocidade desesperada, pelo menos não mentem. Deviam matar: matavam, bastava um alvo por trás de uma bandeira cada vez mais sombria e indistinta. Os “Proscritos” de nossa era ficam se debatendo para achar um álibi para seus crimes. Nada é mais obsceno ou patético: as feições tensas e esquizóides de Blair, o jeito de palhaço de circo de Aznar, as rugas maquiadas de Berlusconi, os três disfarçando uma covardia cerimoniosa diante das pupilas dilatadas e enlouquecidas do patrão norte-americano, digno herdeiro de uma dinastia de serial killers. Nada a ver com o olhar caloroso, úmido e humano dos iraquianos inocentes que eles se preparam para matar a fim de se livrar de um tirano que se tornou mais incômodo do que muitos outros – que lhe são semelhantes, mas mais servis.

A força está inteiramente do lado desse bando de assassinos medíocres. O que, então, os vincularia à nobreza desesperada (muito mais espetacular, no romance, do que nos conta sua história infame) dos “Proscritos” de Von Salomon? Além da bestialidade insana, há um ponto comum: a derrota. Os cúmplices de Bush não serão vencidos no campo de batalha, é claro, mas sua liderança mundial está fadada a um colapso ignominioso, na forma de suicídio.

Tinham calculado tudo, mas sem avaliar a enorme rejeição coletiva à guerra, mesmo dentro dos Estados Unidos (o único país, diga-se, em que, nas décadas de 60-70, um movimento de massas conseguiu pôr fim a um conflito, apesar da violência homicida desfechada contra ele).

Uma página suja da história

Não haverá misericórdia para quem tramou o massacre. Desmoronarão, inúteis, conscientes de que os historiadores os irão execrar

A ideologia mortífera, travestida em moral, esmigalha-se entre as mãos dos supostos vencedores, enquanto reaparece uma idéia solidária, até há pouco desaparecida, e apaga todos os álibis. Abatem-se sobre o Iraque exércitos que fogem da realidade, denunciados por multidões que invadiram as ruas, talvez mais numerosas do que nunca na história. As bandeiras que desfraldam essas novas tropas irregulares não passam de panos bordados a preto, em que as estrelas se apagam, uma após a outra, e as listras se assemelham a lombrigas gordas; sua única esperança de salvação baseia-se numa orgia de barbárie que sepulta, sob as camadas de metal, não só a carne como também a razão.

Não adianta. Não haverá misericórdia para quem tramou o massacre. Celebrarão sua vitória em cima de um cadafalso, pois o principal dos instintos humanos não é a destruição, mas o seu oposto. Cairão sem glória, ainda surpresos de que muita gente, apesar do tapete de bombas despejado sobre suas consciências, continue convencida dessa verdade. Em vão, procurarão por suas pistolas, por seus votos, por suas pesquisas. Desmoronarão, inúteis, numa poça de urina, conscientes, finalmente, de que os historiadores os irão execrar, de que as consciências lhes darão formas repulsivas, de que os sobreviventes os apagarão de sua memória como pesadelos. Serão lembrados como assassinos, ladrões, mentirosos, tudo isso numa aura de mesquinhez até a negação da enormidade de seu crime. Por enquanto, ei-los Tanatos; amanhã não passarão de uma página suja nos livros de História.

Será assim que os últimos proscritos sairão de cena, acompanhados pelas palavras sarcásticas de Ernst Toller, a própria antítese de Von Salomon, palavras que caem como uma luva em Bush, Blair, Aznar, Berlusconi e tantos outros discípulos da licantropia4, como uma concepção existencial:

“Você é o morto de hoje. Sua atitude / é adequada à vida que, há tanto tempo / jaz, fétida, sob o falso esplendor do circo. / Morte de quatro vinténs! Triunfo hipócrita / recheado pela algaravia dos soldados! / Salve, Senhor militarista! / Ah! Ah, ah! Ahahahah!”

Serão enterrados. Não com uma gargalhada, mas com um sorriso sardônico.

(Trad.: Jô Amado)

1 - Publicado na Alemanha em 1930, o romance teve várias edições em francês. A única disponível é uma brochura, da editora Pocket, Paris, 2000. Ernst von Salomon (1902–1972) foi acusado de ter participado, em 1922, da morte do ministro alemão de Relações Exteriores, Walter Rathenau, assassinado porque era judeu.
2 - Industrial judeu assassinado por um grupo da extrema-direita alemã, em 1922.
3 - Ler, de Anne Chaon, “Le lynchage comme art photographique”, Le Monde diplomatique, junho de 2000.
4 - N.R.: Delírio de quem se acredita transformado em lobo. Sobre o assunto, ler, do autor, Black Flag, ed. Rivages, Paris, 2003.




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