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Sem emprego e sem futuro

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As políticas de recolocação no mercado de trabalho, de matriz norte-americana, ganham força na Europa. E os desempregados ficam abandonados à própria sorte

Anne Daguerre - (01/07/2005)

Os franceses que vivem com a renda mínima, as mães solteiras americanas e os britânicos portadores de deficiências têm, no mínimo, três pontos em comum: não têm emprego; beneficiam-se – quase sempre parcimoniosamente – da assistência do Estado; e estão na linha de mira dos governos europeus e americanos desde a segunda metade dos anos 1990. As políticas ditas de “ativação” visam reconduzir os “excluídos” ao trabalho. As medidas de workfare baseiam-se no princípio da cenoura e do porrete. O lado da cenoura é a concessão, aos beneficiários do auxílio social, de isenções de imposto, em caso de retorno ao mercado de trabalho. O lado porrete é a existência de um sistema progressivo de diminuição e até a supressão das prestações de auxílio, que sanciona os recalcitrantes que recusam os empregos propostos. Esse sistema é dominante nos países anglo-saxônicos, especialmente os Estados Unidos e o Reino Unido.

No resto da Europa, as políticas de ativação estão mais fundadas sobre a lógica da incitação e do acompanhamento das pessoas, permitindo a volta ao mercado de trabalho de forma progressiva. Os especialistas franceses se opõem de bom grado a um modelo anglo-saxônico de workfare impiedoso diante de uma política européia de ativação com face humana, dominante nos países escandinavos1 .

No entanto, ao olhar mais atento, as fronteiras entre as duas são muito mais sutis do que parece. Para os países anglo-saxônicos, os países escandinavos adoçam os dispositivos de retorno ao emprego ao visarem as populações mais vulneráveis, as que têm menos chances de se defender por não possuírem apoio de sindicatos ou de grupos de pressão ou, simplesmente, porque elas não votam ou votam muito pouco.

Origem americana

Um sistema progressivo de diminuição e até supressão das prestações de auxílio sanciona os recalcitrantes que recusam os empregos propostos

Dominante nos Estados Unidos, o workfare2 atingiu, inicialmente, as famílias necessitadas – na sua maioria, mulheres sozinhas com filhos –, após a reforma adotada em agosto de 1996 pelo Congresso3 . Um princípio: o auxílio não é um direito, mas um favor passível de merecimento. Esse dispositivo minuciosamente elaborado por um ex-presidente dos Estados Unidos, William Clinton, impõe aos beneficiários um modo de comportamento guiado pela “ética do trabalho e da responsabilidade”. Hoje, o auxílio está limitado a um período de cinco anos durante toda a vida de um adulto em idade de trabalhar, o que foi chamado de Temporary Assistance for Needy Families (TANF – assistência temporária para famílias necessitadas).

Para se beneficiar disso é preciso aceitar uma “atividade de adaptação ao trabalho”. Desde 1997, todos os adultos tiveram que justificar uma atividade de trinta horas por semana. Depois de ter feito um balanço das competências, os escritórios de auxílio social estabelecem um “plano de responsabilidade individual”, que define as etapas de reinserção profissional detalhando os deveres do beneficiário: freqüentar os “cursos de busca de emprego”, participar de seminários de formação, respeitar as entrevistas marcadas, vacinar os filhos, assegurar que os filhos freqüentam a escola e encontrar um trabalho. A recusa em honrar o contrato conduz à aplicação de sanções, cujo alcance e severidade depende de cada Estado.

Em 1996, Clinton buscava antes de tudo diminuir o número de beneficiários da ajuda social. O objetivo foi amplamente atingido: de 14,4 milhões em 1994, ou seja, quase uma família americana em cada sete, eles não passavam de 5,4 milhões em 2001, o que representou uma redução de 64%. E não poderia deixar de ser. Temendo a diminuição irrevogável do seu “banco de horas” (conta poupança de tempo, com regras bastante definidas) limitado a cinco anos, as mulheres aceitaram o trabalho que lhes foi proposto. Resultado: a porcentagem dos pensionistas adultos com uma atividade passou de 11 %, em 1996 para 38,3% em 1999. Observa-se uma nítida reversão da tendência quando da diminuição do ritmo de crescimento econômico em 2001. A parcela de pensionistas adultos com trabalho caiu para 33,4 % em 2002, segundo o último relatório anual do Congresso sobre o TANF4 .

Conseqüências sociais

O princípio do workfare americano é que o auxílio não é um direito, mas um favor passível de merecimento

Fenômeno ainda mais inquietante, a taxa de pobreza das crianças, que havia diminuído em um quinto, entre 1996 e 2000, agora aumentou, passando de 16% em 2000 para 17,6% em 2003. A dos adultos também cresceu: 12,5% em 2003 viviam abaixo do limiar oficial de pobreza5 , contra 11, 3% em 2000. Esses números, não obstante, são amplamente subestimados, visto que, se tomarmos a norma européia (60% da renda média), a taxa de pobreza atingiu 23,8%, segundo o Luxembourg Income Studies6 . Além de tudo, o número de pessoas sem cobertura médica subiu de 43,574 milhões em 2002 para 44,961 milhões em 2003, ou seja, 15,6% da população7 .

Apesar desses dados alarmantes, a administração americana pretende que o fato de ter um emprego, ainda que seja pouco qualificado e mal pago, reduz a pobreza e melhora automaticamente as perspectivas da carreira, o que os especialistas chamam de Work First (primeiro, um trabalho). Efetivamente, os pensionistas que têm emprego ganham entre 472 e 738 dólares por mês, ou seja, uma renda anual entre 5.664 dólares e 8.856 dólares por ano, pouco abaixo do limiar oficial de pobreza (9.827 dólares por ano). Os pensionistas, muito pouco qualificados, só conseguem “empreguinhos” em setores como restaurantes, hotelaria e auxílio a pessoas. Esses empregos, porém, são também os primeiros a serem suprimidos em tempo de desaquecimento da economia. Segundo o centro de pesquisa independente Center on Budget and Policy Priorities8 , a porcentagem de mães sozinhas sem emprego passou de 9,8 % em 2000 para 12,3% em 2002. E ao longo dos três últimos anos, 60% dos pensionistas ficaram sem emprego.

Com base nessa constatação alarmante, a administração Bush decidiu propor uma versão reforçada da lei de 1996, obrigatoriamente reexaminada pelo Congresso a cada cinco anos. Esse projeto, intitulado “Progredir em direção à independência”, comporta várias inovações, entre as quais o aumento de 30 para 40 horas por semana da quantidade de horas de atividade obrigatória para conseguir o auxílio social máximo, ou o apoio aos “matrimônios sadios” (Healthy Mariage Iniciative) 9 . A idéia é simples: como o casamento é um dos melhores meios de prevenir a pobreza, os conselheiros conjugais devem ajudar os casais a perseguirem a vida comum para economizar o dinheiro do contribuinte. Essa ofensiva de ordem moral foi reforçada com a reeleição de Bush, em novembro de 2004, e depois com a nomeação, para o posto de secretário de Estado dos assuntos sociais, em janeiro de 2005, de Michael Leavitt, antigo governador de Utah – um Estado que gastou 600 mil dólares em 2002 para financiar um programa de celebração do casamento.

O modelo do Reino Unido

O número de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza aumentou desde 1996

Contudo, até o momento o projeto da Casa Branca não foi votado devido à oposição dos democratas no Senado – e a cada três ou seis meses, o Congresso renova a autorização orçamentária para que o dispositivo funcione. O status quo, que evita que o pior aconteça no nível federal, não impede que governadores republicanos modifiquem o programa de forma abertamente reacionária. A Virginia Ocidental, por exemplo, acrescenta, atualmente, 100 dólares mensais para toda a família pensionista cujos pais são casados, vivem sob o mesmo teto e recebem conjuntamente a assistência social.

Nada tão extremo no Reino Unido, onde o governo trabalhista de Anthony Blair adotou uma versão edulcorada do workfare americano sob a forma dos programas New Deal, visando jovens de 18 a 24 anos, portadores de deficiência, mães solteiras e desempregados com mais de 55 anos. O New Deal para os Jovens (New Deal for Young People) representa o programa modelo. Funcionando desde 1997, ele obriga que os jovens de 18 a 24 anos beneficiários do seguro desemprego tenham alguma ocupação depois de seis meses. Nesse caso, também estão presentes coerção e incitação.

O lado coercitivo exige que todo beneficiário de 18 a 24 anos inscreva-se no novo dispositivo, sob pena de ter suprimido todo o benefício ou parte dele. Com essa finalidade, os Serviços para o Emprego, equivalentes da Agência Nacional para o Emprego (ANPE) da França, convocam os jovens desempregados para uma primeira entrevista. Se eles não respondem, seguem-se uma série de cartas de advertência que podem conduzir à supressão de toda ou parte do auxílio ao final de quatro semanas. Do lado da incitação, o conselheiro para o emprego oferece, durante quatro meses, uma “ajuda intensiva à busca” de uma “ocupação” assalariada, tais como um balanço personalizado das competências ou a redação de um projeto profissional. Se ao termo desse período o jovem ainda não tiver nada, ele tem cinco possibilidades. A primeira opção: beneficiar-se de um emprego “subvencionado”, sob forma de auxílio pago ao empregador durante seis meses, no máximo. Segunda possibilidade: recebe proposta de trabalho de escritório voluntário (secretariado, venda...). Como terceira opção: um emprego voluntário na manutenção de edifícios públicos, estradas de ferro ou jardins públicos. A quarta opção consiste em propor uma formação de, no máximo, um ano. Quinta e última possibilidade: auxílio à criação de uma empresa.

Trabalhos sem futuro

O governo de Anthony Blair adotou uma versão edulcorada do workfare americano sob a forma dos programas New Deal

O desempregado é levado a aceitar pelo menos uma dessas opções sob pena de perder tudo ou parte de seu benefício. Segundo um organismo de pesquisa independente, o National Audit Office10 , de um total de 719 mil participantes ao final de outubro de 2001 (último número conhecido), 40% tiveram acesso a um emprego não subvencionado durante treze semanas, ao menos; 11% foram transferidos para outros tipos de benefícios, especialmente benefícios de adulto portador de deficiência; 20% recomeçaram a receber o auxílio desemprego. Enfim, 29% deixou o programa por motivos desconhecidos.

Para os pais sozinhos, as mães solteiras na quase totalidade dos casos, a coerção é muito mais forte; e a participação no programa de ativação, o New Deal para os pais sozinhos (New Deal for Lone Parents), acontece com base no voluntariado. A única condição para ser beneficiário é participar de uma entrevista anual de avaliação. Ao longo dessa entrevista, o conselheiro para o emprego incita aqueles que têm direito a participar do programa de volta ao mercado de trabalho. As mães solteiras que trabalham menos de 16 horas por semana podem ter acesso ao Working Tax Credit, que se encarrega do custo da guarda das crianças até 175 libras (257 euros) por semana e por criança, ou seja, 70% do custo da guarda.. As mulheres com alguma atividade beneficiam-se de uma recompensa pela volta ao trabalho, cujo montante é 40 libras (59 euros) por semana.

Segundo o governo, esses programas teriam atingido 1 milhão de pessoas desde 199811 , dos quais 276 mil graças aos New Deal para os pais sozinhos e 520 mil pessoas graças ao mesmo programa para jovens. Efetivamente, segundo o National Audit Office, apenas de 30 mil a 40 mil jovens teriam encontrado um emprego graças a esse dispositivo12 . Além disso, a maior parte deles não conserva seu emprego mais do que 13 semanas, em média. Enfim, um trabalho não traz automaticamente melhoria do nível de vida. Um SMIC jovem foi colocado: 4,10 libras por hora (6 euros) contra 4,85 para os de mais de 21 anos. O que leva os empregadores a demitir, sem remorsos, os “velhos” de 22 anos, assim que eles passam para o preço adulto. Esses jovens pouco qualificados vão encadeando pequenos serviços sem futuro e não têm nenhuma chance de ter acesso a uma moradia decente.

Fábrica de subempregados

Os jovens pouco qualificados que se beneficiam do programa vão encadeando pequenos serviços sem futuro

Os salários são tão magros que o governo distribuiu para cerca de 250 mil casais pobres um crédito de imposto para complementar as rendas, o Working Tax Credit. Na realidade, ele subvenciona os baixos salários deixando de fazer pressão sobre os empregadores e mantém, desse modo, uma reserva de mão-de-obra mal paga que tem dificuldade de fechar o mês, apesar das transferências [de recursos] sociais. Assim, 29% das mulheres trabalham em tempo parcial durante um período de, em média, 16 a 30 horas por semana. Em 2002, 17% contra (21 % em 2001) da população situavam-se abaixo do limiar da pobreza13 . Os pais sozinhos representam 37% dos adultos vivendo abaixo do limiar da pobreza14 .

Com esse subemprego torna-se possível fixar uma taxa oficial de desemprego que tem o nível mais baixo dos últimos vinte anos, oscilante entre 4,5 e 4,8% em 200415 . Mas o maior problema do Reino Unido passou a ser a parcela de pessoas beneficiárias de aposentadoria por invalidez. Ao longo dos anos 1980-1990, o serviço social encorajou a transferência de candidatos ao auxílio desemprego para o grupo dos beneficiários do auxílio a adultos portadores de deficiências, notadamente nas regiões desindustrializadas do país. Em 2004, 2,7 milhões de pessoas, ou seja, 7,5% da população ativa em idade de trabalhar, beneficiaram-se disso. Tornaram-se alvo privilegiado das políticas da ativação.

O governo lançou, em outubro de 2003, um programa experimental, Caminhos para o Emprego (Pathways to Work). Esse dispositivo, testado em sete localidades britânicas, combina a incitação financeira – uma recompensa de reembolso ao emprego de 40 libras por semana – e coerção – uma série de entrevistas individualizadas com um conselheiro para o emprego, que estabelece um planejamento de volta ao trabalho. O conselheiro também está presente em cada visita médica, para explorar as possibilidades de volta ao mercado de trabalho.

Escandinavos seduzidos

Com o subemprego em alta, torna-se possível fixar a taxa oficial de desemprego com o nível mais baixo dos últimos vinte anos

Até o presente momento, o governo tomou alguma precaução, pois as pessoas portadoras de deficiência e os pais sozinhos dispõem do apoio de grupos de interesse relativamente influentes, como o National Council for One Parent Families (Conselho Nacional para as Famílias Monoparentais). Porém, após as eleições, a nomeação de David Blunkett (antigo ministro do Interior conhecido pela sua intransigência) para o posto de ministro dos assuntos sociais indica vontade de endurecer esses dispositivos.

Apresentados como os últimos bastiões do Estado de Bem Estar Social, a Suécia, a Finlândia e a Dinamarca também têm adotado políticas de ativação, ao longo dos anos 199016 . A outorga de seguro ou de auxílio social está ligada ao cumprimento de planos de volta ao trabalho que estabelecem um “balanço” das competências do beneficiário e detalham as medidas a serem seguidas por cada um. Aqueles que buscam emprego devem aceitar as ofertas de trabalho que lhes são apresentadas, os recalcitrantes podem ter suprimidas todas ou uma parte das parcelas do seguro-desemprego ou do auxílio social. Essa prática inicialmente foi testada entre as populações mais frágeis – jovens ou imigrantes e desempregados crônicos – e estende-se, pouco a pouco, até incluir o conjunto dos desempregados.

Na Dinamarca, as condições de acesso ao seguro desemprego tornaram-se mais duras desde 1994. Nessa época, o período de indenização passou de nove para sete anos, antes de cair para cinco anos em 1996, e depois para quatro anos, em 2003. Além disso, os beneficiários devem participar dos programas de ativação desde o início do período do desemprego. As propostas são clássicas: ajuda à busca de um trabalho, formação profissional, ou obrigação de ocupar um emprego subvencionado no setor público ou privado, ou um emprego público, um pool job – espécie de contrato emprego solidariedade (CES) à sueca, criada para os desempregos crônicos. Resultado: o número da procura de empregos indenizados caiu, passando de 343 mil em 1994 para 123.251 em 2002, antes de voltar a crescer em 2003.

Resultados “convincentes”

Na Dinamarca, 11 % da população vivem abaixo do limiar de pobreza, uma das taxas mais baixas da União Européia

O número dos auxílios se manteve. O desempregado com mais de 25 anos pode receber até 90% de seu salário líquido, com a condição de não ultrapassar 406 euros por semana (1626 euros por mês). A cada três meses, o conselheiro convoca o beneficiário, que pode ter esse auxílio reduzido e até mesmo suspenso se ele não seguir as etapas do plano de volta ao trabalho.

As pessoas menos favorecidas não têm acesso ao seguro desemprego, porém podem se beneficiar do auxílio social, cujos critérios de atribuição também se tornaram mais duros e claramente discriminatórios. A ajuda, entre 1.100 euros e 1.462 euros, segundo os encargos da família, é acessível apenas aos dinamarqueses e aos estrangeiros que moram na Dinamarca há sete anos, com a condição de aceitarem uma oferta “considerável” de ativação – em caso de recusa, o auxílio é suprimido. Os outros imigrantes têm uma ajuda de apenas 709 euros (contra os 1.100 dados aos dinamarqueses) por um período de seis meses. Essas restrições acarretaram uma queda do número de beneficiários, que passou de 117 mil, em 1994, para 86 mil em 2000.

Em uma primeira abordagem, os resultados dessa política voluntarista parecem convincentes. Apenas 11 % da população vivem abaixo do limiar de pobreza, uma das taxas mais baixas da União Européia. A taxa de desemprego da população ativa passou de 7,7%, em 1994, para 5,6% em 2003. Subitamente a imprensa e o governo franceses têm olhos de Chimène para a coalizão conservadora e neoliberal, no poder desde 2001. Gerard Larcher, ministro delegado francês para as relações de trabalho, saúda o milagre dinamarquês que, segundo ele, “não é produto do acaso. Ele indica um triângulo de ouro entre uma grande flexibilidade do mercado de trabalho, um nível elevado de proteção social em caso de desemprego e uma política eficaz de ativação dos sem-emprego17 ”. É no mínimo curioso ver um ministro defender um dispositivo que se apóia sobre empregos públicos como o CES, os quais o governo de Jean-Pierre Raffarin apressou-se em suprimir quando chegou ao poder. E uns e outros esquecem que as despesas de formação, na Dinamarca, continuam elevadas: representam mais da metade das despesas de ativação (56,6% em 2002, contra 34,6% em 1995).

Desemprego estável

O próprio governo dinamarquês admite que as políticas de ativação não freiam o aumento do desemprego

Quanto aos resultados, eles nada têm de miraculoso. Como mostra o pesquisador Peter Abrahamson18 , um terço dos desempregados foram transferidos do seguro desemprego e do auxílio social para os benefícios de pré-aposentadoria e de aposentadoria por invalidez. Apenas cerca de 50% a 60% das pessoas inscritas nesses programas têm um trabalho (em tempo integral e em tempo parcial). E ainda, na maioria dos casos, os beneficiários do auxílio social encontram-se desempregados. Os empregos públicos municipais não melhoram de forma alguma as chances de encontrar um emprego estável, e seus beneficiários procuram novamente o serviço social quando seus contratos terminam.

Além disso, o próprio governo admite que as políticas de ativação não freiam o aumento do desemprego. O número de pessoas desempregadas e em período de ativação aumentou em 29 mil entre 2001 e 2003, ou seja quase, 7,5% da população em idade de trabalhar em 2003. O número de empregos subvencionados, em nome do programa de ativação, passou de 10.954 em 1999 para 12.750 em 2002 (em uma população de 2,8 milhões).

Finalmente, como em outros países nos quais se desenvolve essa política, o sistema contribuiu para forçar a queda dos salários. Na Dinamarca, a parte dos salários na riqueza agregada (riqueza criada) passou de 79,1% em 1980 para 70,9% em 1990; e para 68% em 2000.

Tudo pronto na França O governo francês justifica o novo programa como forma de “sair de uma situação de assistência” e de “tornar instigantes as rendas do trabalho” As políticas francesas de ativação foram, inicialmente, dirigidas aos desempregados crônicos e jovens sem qualificação (com a criação dos CES e dos empregos de jovens) e se estenderam ao conjunto dos que buscam emprego, com a reforma do plano de ajuda e retorno ao emprego (Pare) adotado em 200119 . Diferentemente dos dispositivos nórdicos e anglos-axônicos, o Pare não se reveste, na teoria, de caráter obrigatório.

Contudo, em dezembro de 2003, o governo de Raffarin instaurou uma Renda Mínima de Atividade (RMA) para os que se beneficiam do Renda Mínima de Inserção (RMI) há um ano, pelo menos. O RMA, cuja gestão foi transferida do Estado para os departamentos, assim como a do RMI, está ligado a um emprego em tempo parcial de 20 horas, no mínimo, e por um período máximo de 18 meses20 . Atualmente, a lei permanece voluntariamente flexível sobre a obrigatoriedade ou não. Questionados, os redatores do projeto afirmam que cabe “aos departamentos assumir essa responsabilidade”. Em outras palavras, os conselhos gerais podem decidir se quando o aquele que recebe a renda mínima de inserção recusa empregos propostos ele terá suprimida toda ou parte do benefício. É evidente que os departamentos herdam um dispositivo oneroso com o qual o Estado quer se descomprometer, inclusive politicamente.

Para justificar esse programa, o governo explica que se trata de “sair de uma situação de assistência” e de “tornar instigantes as rendas do trabalho”. Está tudo pronto para cair no sistema à moda dinamarquesa ou anglo-saxônica: reforma das agências para o emprego, abertura de colocações em agências como substitutos, projeto de controle dos desempregados guardado para depois do plebiscito sobre o tratado constitucional europeu, RMA.... Apesar de um endurecimento das condições de acesso ao auxílio social, todos os alertas sociais já estão no vermelho: o desemprego ultrapassa os 10% da população ativa, o número de beneficiários do RMI atinge 1,19 milhões21 . Finalmente, as taxas de pobreza subiram em 15% em 2003, segundo as estatísticas Eurostat22 . Mais de 3 milhões de pessoas vivem em habitações inadequadas.

Levando em conta os parcos resultados dos programas em termos de volta ao trabalho, pergunta-se o que pode justificar o apreço dos governos europeus e americano pelas políticas de ativação. Efetivamente, ao renunciar à mudança de comportamento nacontratação das empresas, o Estado busca transformar a psicologia dos beneficiários do serviço social ao obrigar que eles sejam cada dia mais adaptáveis às demandas do mercado de trabalho. A ideologia da “empregabilidade”, no coração desses programas, transforma os desempregados em responsáveis pela sua própria sorte. Agora não são mais os governantes ou as empresas que devem ser culpadas, são os próprios excluídos.

(Trad.: Teresa Van Acker)

1 - Ler Jean-Claude Barbier, “Peut-on parler d’activation de la protection sociale en Europe ?”, Revue française de sociologie, Paris, 43-2, avril-juin 2002, p. 307-332.
2 - N. de T. workfare foi o termo utilizado em 1971, pelo presidente Nixon, quando anunciou a idéia central do conceito desse conceito de que a assistência social deve ter em contrapartida o trabalho.
3 - Cf. Loïc Wacquant, “ Quand le président Clinton ‘réforme’ la pauvreté ”, Le Monde diplomatique, , septembre 19967
4 - Ler o último relatório annual do Congresso Temporary Assistance for Needy Families, Office of Research, Planning and Evaluation, Administration for Children and Families, US Department of Health and Human Services, Washington, novembre 2004.
5 - Corresponde a 9827 dólares por ano para uma pessoa só, mínimo vital estimado para satisfazer as necessidades de habitação, alimentação e vestuário.
6 - Base de dados que permite comparações internacionais das taxas de pobreza relativas.
7 - Census Bureau, Income, Poverty and Health Coverage in the United-States in 2003, Washington DC, 2004. Ler de Olivier Appaix, “ Les patrons américains en rêvent ”, Le Monde diplomatique, juillet 2004.
8 - Center on Budget and Policy Priorities, Recent Welfare reforms research findings, Washington DC, janvier 2004.
9 - Congressional Research Service, TANF Reauthorization : Side by Side Comparison of Current Law and Two Versions of H.R. 4, Bibliothèque du Congrès des Etats-Unis, février 2004, Washington.
10 - The New Deal for Young People, National Audit Office, Londres, février 2002
11 - Office du Trésor, Pre-Budget Report, Opportunity for All, chapitre 4, Washington, 2004
12 - The New Deal…, op. cit.
13 - Eurostat, “ Poverty and Social Exclusion in the EU ”, in Statistics in focus, Bruxelles, septembre 2004
14 - Department for Work and Pensions, Households Below Average Income, chapitre 5, Londres, 2003.
15 - O relatório anual da OCDE estima que a taxa de desemprego foi 5% em 2004. Ver OCDE, Employment Outlook, Paris, 2004.
16 - Ake Bermark, “ Prêts à travailler ? les politiques d’activation en Suède au cours des années 1990 ”, in Revue française des affaires sociales, La Documentation française, Paris, 2003, p. 273-289.
17 - Table ronde sur la Flexicurité, intervention de Gérard Larcher, Maison du Danemark, Paris, 23 février 205.
18 - Lire Wim Van Oorschot et Peter Abrahmason, “ The Dutch and Danish Miracles Revisited ”, Social Policy and Administration, vol. 37, n° 3, pp. 288-304.
19 - Ler Bruno Palier, Gouverner la sécurité sociale, PUF, Paris, 2002.
20 - Ler Martine Bulard, “ Etat d’urgence sociale ”, Le Monde diplomatique, mars 2004.
21 - Le Monde, 25 juin 2004.
22 - Eurostat, Poverty and Social Exclusion…, op.cit




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